A crise deve fazer parte da vida de 10
entre 10 cartunistas. Principalmente quando essa profissão se depara com
resposabilidades de pai de família (pagamento de contas e criação de filhos).
Tem também aquela eterna interrogação: “por quê, pra quem qual a razão que faço
isso?” Jamais, em hipótese alguma, Lourenço Mutarelli estaria for a desse
grupo.
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O personagem foi inspirado em seu pai, um delegado de
polícia, que levava parte do trabalho de perícia para casa, que o filho sempre
dava uma espiada. Diomedes é um delegado aposentado que se aventura agora como
detetive particular, porém, frustrado em nunca ter resolvido um caso sequer,
acaba tendo uma vida meia-boca que faz com que sua mulher (e única paixão –
embora nunca desperdiçasse uma profissional do sexo) o abandonasse. Além da
desgraça profissional, a mulher desistiu do marido por nunca ter um sofá de três lugares.
Na primeira parte da história, o detetive é
contratado para encontrar o mágico Enigmo. E é aí que começa as aventuras do
nosso herói, que se dá mal na maioria das situações e apanha feito um saco de
pancadas. Acaba se envolvendo com um sujeito que quer realizar um sonho e que
roubou uma bolada de seu cunhado e, claro, estava sendo perseguido.
No segundo caso é convocado a descobrir o
serial killer que tem o hábito de envenenar casais que topam um ménage a trois.
O poeta Glauco Mattoso é envolvido na trama, tanto com seus sonetos, como dando
conselhos ao detetive. Dessa vez ele se envolve com um policial pilantra que quer
usá-lo para se promover. Porém, consegue conquistar um grande amigo que
seria seu parceiro até o final da saga: o policial homossexual Waldir.
E na última parte é “promovido” a
detetive intercontinental pelo advogado Dr. Gouveia (que tenho quase certeza
que foi baseado no Gualberto Costa
da Livraria HQ Mix - foto ao lado), que o indica
para uma ricaça que não tem notícias de seu marido que foi para Lisboa e
desapareceu. Lógico que ele se mete em um monte de roubadas, se envolvendo com
uma seita que guarda um grandioso segredo, que Diomedes acaba decifrando com a
ajuda de Zigmundo Muzzarella, que é, na verdade, o próprio Lourenço.
A aventura tem um ritmo muito bom, que
segura o leitor de uma forma que dá aquela vontade louca de saber o desfecho
dos casos e até, de alguma forma, ajudar a decifrar os mistérios. As mais de
430 páginas passam muito rápido.
O trabalho de Mutarelli é peculiar, pois é cheio de
códigos, sutilezas e referências muito bem sacadas. Como colocar
referências a lojas que já não existem, como Mappim, Casas Buri e fazer
paródias com nomes de empresas que ainda existem como Editora Porvir (Devir).
Nas falas do ex-adestrador de leões Lorenzo, a situação é tão tensa, que os
balões com as falas saem de dentro da cabeça do personagem, dando uma
dramaticidade muito perturbadora para a cena.
Também faz algumas homenagens, como na
perseguição no primeiro capítulo quando os detetives Dupont e Dupont, junto com
Tin Tin, aparecem na cena. Também nas pixações (Angeli, Adão Iturrusgarai) e
quando o detetive vai a uma feira de histórias em quadrinhos na cidade de
Amadora, onde ele esbanja as homenagens a inúmeros cartunistas que são
listados no final do livro.
As piadinhas sarcásticas (também influência do pai
de Mutarelli) são um destaque à parte, pois são de uma sutileza corrosiva que é
capaz de arrancar gargalhadas, junto com as explicações que dá a Waldir quando
tem que contar alguma história ao parceiro pouco paciente.
O bônus da publicação é a parte frustrante, principalmente pelo fato de ter uma chamada na capa com “Arquivo de
esboços e tiras” que se resumem nada mais a 12 páginas de tiras e alguns esboços. Faltou
mais. Muito mais, considerando a importância da publicação.
É um livro que tirar o fôlego e que mostra
um Mutarelli completo, mostrando vários lados desse que é um dos mais
importantes cartunistas brasileiro de todos os tempos.