Eles começaram como a maioria dos jovens envolvidos com o rock: de saco cheio da mesmice e com vontade de colocar toda sua rebeldia nos instrumentos e sair por aí tocando fazendo cara de mau. Mas isso era muito básico para o Slayer que queria algo a mais: ser mais brutal e rápido sem abrir mão da qualidade e originalidade.
Levaram isso tão a sério que se tornaram gigantes no que fazem e rapidamente se tornaram referência para algumas gerações de headbangers. Suas letras que tratam do obscuro e assuntos ligados ao inferno (principalmente nos primeiros discos) foram uma das maiores influências para o som que se conceituou-se a chamar de death metal (embora neguem que o estilo da banda seja esse). Aliás, esses temas que levavam a "palavra do demo" nem era unanimidade na banda: o vocalista Tom Araya, por exemplo, é católico praticante. A maioria das letras é composta pelos guitarristas Jeff Hanneman e Kerry King que inclusive tatuou no braço a frase "God hates us all" (título do oitavo disco da banda) e o vocalista cristão teve sempre que passar por cima do que acreditava para entoar palavras como essas. É mais ou menos assim: entrou no Slayer é pra se sangrar!
Esses fatos curiosos e mais um bocado de histórias que percorrem até hoje as mais de três décadas da banda estão em O reino sangrento do Slayer, lançado pela Edições Ideal em 2012. Recentemente a mesma editora fez a segunda edição revista e ampliada, com capa dura e material de primeira, além de páginas com fotos históricas. A revisão e edição dessa edição ficou por conta do zinista Marcelo Viegas.
O autor do texto original, Joel McIver, é um grande fã da banda e, com a propriedade de quem entrevistou os integrantes (e pessoas próximas) diversas vezes, conta muitas das passagens e desossa todos os discos, fazendo um raio-x completo de cada título e o contexto da época dos respectivos lançamentos. Mesmo com a admiração pelo Slayer, McIver não poupa a palavras quando questiona momentos de vacilos (segundo ele) que a banda cometeu, como as diversas covers ruins que fizeram, o lançamento equivocado de discos (embora eu não concorde com a opinião dele sobre Undisputed Attitude*) e faixas que nunca deveriam ser gravadas.
Para cada disco, o autor passa por todas as faixas, analisando as letras (que demonstram a evolução da banda nesse aspecto, deixando os temas mais satanistas de lado) e passeia pelos detalhes das capas e encartes. Talvez aí seja a mancada dessa edição: mesmo que na versão original não contenha, faltou a publicação de fotos das capas, pois o autor aponta detalhes bem interessantes que, se não tiver a capa por perto, perde um pouco o encanto. Dica: imprima as capas dos discos e deixe no meio do livro pra acompanhar a descrição minuciosa de McIver.
Uma outra dica importantíssima: tenha em mãos todos os discos da banda. Na pior (ou melhor) das hipóteses, baixe e coloque tudo no seu iPod ou celular, pois serão bastante úteis, primeiro por ser a trilha sonora ideal para esse livro e também porque o autor ainda analisa os arranjos dos sons, os riffs e, para quem é músico, ainda aponta várias observações técnicas de tons etc.
Araya, Chris Poland, Dave Mustaine, Gar Samuelson, Hannerman, Dave Ellefson e King. |
Embora o livro tenha grandes revelações, o autor pouco se apega a falar da vida particular dos membros (na verdade, ele mesmo cita que esse nunca foi o objetivo da biografia), mas é possível perceber que todos têm vida normal fora da banda, como qualquer cidadão comum que trabalha e paga as suas contas. Vez ou outra McIver relata como a rotina puxada do Slayer afeta a vida e relacionamentos dos músicos. Nessa análise é possível chegar ao perfil básico de cada integrante: Hannerman, o mais calado, é um viciado em criar riffs e colecionador de itens nazistas; Araya, um pai de família que foi o primeiro a sentir (e demonstrar) a idade em seu vocal que já não apresenta os mesmos agudos e as dores no corpo resultantes das demandas de palco; o baterista Dave Lombardo sempre discreto, mas hiperativo para compor viradas absurdas e King, um perfeccionista que não perde a oportunidade de falar o quanto ele sua banda são ótimos, além de ser um administrados compulsivo.
O lançamento dessa edição coincidiu com a morte por insuficiência hepática do guitarrista Jeff Hanneman, em maio. Na apresentação dessa segunda edição o próprio McIver dedicou o livro ao músico. Na edição brasileira algumas pessoas foram convidadas para fazer um depoimento sobre um os guitarristas mais expressivos do metal. Eu fui um deles. Porém, se fosse escrever depois de ler esse livro, com certeza que eu relato teria sido mais completo, uma vez que Hannerman foi responsável em trazer a veia punk-hardcore para banda, assim como é autor das letras mais reflexivas do Slayer ("Angel of Death"e "Unit 731", por exemplo) e ainda formou uma dupla com King que duvido muito que haverá alguma outra parecida que saiba aliar técnica com velocidade e ainda uma sintonia incrível ao encaixar um solo com o outro.
O balanço é que esse livro é muito bom para quem é fã da banda e também para quem quer conhecer mais sobre a produção do metal (que também tem sua raíz do it yourself), a sua evolução, briga e aliança com o mercado fonográfico e, claro, para sentir o calor que o Slayer produziu nesse meio tempo e ainda para entender o porquê "existem muitas bandas de metal, mas apenas um Slayer".
A banda após o show em que durante a música "Raining Blood" recebia um banho de sangue para delírio do público. |