quinta-feira, 28 de maio de 2009
CELTON - UM HERÓI BRASILEIRO
O trânsito de São Paulo já gerou oportunidade para muita gente: vendedores de amendoins, limpadores de vidro e até os famosos faquinhas. Mas, por mais incrível que pareça, ele ainda pode oferecer surpresas. Vestido em um impecável terno amarelo, com uma placa com letras garrafais, Lacarmélio Alfêo de Araújo anuncia: "Leia Celton — Estou vendendo revistas em quadrinhos que eu mesmo fiz. R$ 2,00 - 32 páginas. Neste número: O Caçador de Emprego"
O marketing funciona, uma buzina basta e Lacarmélio corre por entre os carros vendendo o gibi de seu personagem Celton.
Celton não usa capa nem cueca por cima da calça. É um herói brasileiro que vive suas aventuras nas ruas de Belo Horizonte. Dotado de uma força física acima do comum, capaz de correr mais rápido que um automóvel e até mesmo de levantá-lo (poderes que praticamente não usa porque é discreto como todo bom mineiro), aliada a fortes princípios morais e éticos, ajuda as pessoas a melhorarem suas vidas entre um conserto de moto e outro em sua oficina.
A história de Lacarmélio também tem muito de heróico e parece com a de muitos brasileiros. Nascido numa pequena cidade mineira, já foi engraxate, vendeu picolé, trabalhou como auxiliar de escritório, escriturário, desenhista de publicidade (em Belo Horizonte) e tentou a vida em Nova York cantando Beatles no metrô. Criou o personagem “Homem Felino” – identidade secreta de Celton - e a partir de 1975 fez várias viagens a editoras em São Paulo e no Rio de Janeiro para tentar vender seus projetos (uma dessas, de bicicleta a São Paulo, durou quatro dias).
Cansado de receber “nãos” resolveu apelar para o “do-it-yourself”: fez um empréstimo bancário e lançou Celton (feito em off set) por conta própria. Nas bancas foi um fracasso de venda. Passou a vender a revista pessoalmente nas ruas de Belo Horizonte e então conseguiu êxito. Já deu entrevista no Jô Soares, participou da Bienal do Livro e fez trabalhos para empresas como a Skol e Petrobrás.
Agora Celton (ou Lacarmélio) chegou a São Paulo onde pretende continuar sua grande aventura: viver de sua arte.
Confira a entrevista que Lacarmélio cedeu exclusivamente para o ZINISMO:
ZINISMO: Para você, quais são os fatores que levam Celton a fazer sucesso?
LACARMÉLIO: Difícil de responder. Só posso dizer que a minha dedicação à revista, tanto na produção (roteiro, desenhos, pesquisas, produção gráfica, etc) quanto na venda é total. Estou sempre ligado em assuntos populares, que possam atrair a atenção dos leitores. Ao ter a idéia de um roteiro, eu só parto para sua produção (ter uma idéia é muito diferente de produzir uma revista) se eu sentir que ela é simples e talvez possa agradar. Sei que não estou escrevendo para mim, mas para os leitores. Em resumo: dedicação, trabalho e um "feeling" que não sei explicar.
Você vive de seus gibis? Qual é a tiragem? E a periodicidade?
LACARMÉLIO: Financeiramente, sim. Tiragem inicial 10 mil exemplares. Não há periodicidade, alguns números são mais difíceis do que outros. Só quando começo a produção é que percebo o grau de dificuldade de cada um. Já houve revistas que fiz em um mês, e a mais demorada levou um ano.
E por que São Paulo? Qual tem sido a reação do público?
LACARMÉLIO: Estou aqui por dois motivos principais: 1) os engarrafamentos são maiores do que os de BH e 2) agora eu tenho um filho de 6 anos, não posso mais fazer revista só por idealismo (o que na verdade ainda é), mas também porque fazer revista é a minha profissão e eu tenho que cuidar da segurança do meu filho. Se você não tiver filho, não entenderá esta resposta.
Quais suas inspirações para a criação do personagem?
LACARMÉLIO: Os assuntos populares e o que os leitores comentam dos números já publicados.
E o homem felino, que fim levou?
LACARMÉLIO: Homem Felino foi um personagem dos tempos de adolescente, com seus enormes valores daquela época. Minha cabeça hoje está absolutamente em outros tipos de roteiros.
E os leitores paulistanos, onde podem procurar Celton?
LACARMÉLIO: De momento, comigo nos engarrafamentos, exatamente como em Belo Horizonte. São Paulo é uma cidade ainda misteriosa para mim: excitante, convidativa ao trabalho, às oportunidades...
Imagino que já deve ter passado por poucas e boas no seu ofício de vendedor de gibis, poderia contar algumas dessas aventuras?
LACARMÉLIO: É difícil lembrar, assim de supetão. Mas positivamente falando, todas fazem parte da história da revista, todas enriquecedoras. Mesmo as experiências chatas contribuíram para o enriquecimento da história da revista.
Um recado para seus leitores:
LACARMÉLIO: Não desistam nunca. A revista Celton só vem conseguindo algum resultado significativo por causa da insistência. Eu só venho aprendendo a escrever roteiros simples que agradam aos leitores, depois de muitos anos escrevendo para o povo. Eu só consigo viver hoje financeiramente da revista porque com os anos eu aprendi a vendê-la. As dores no corpo, principalmente nas pernas, ao final de um dia no meio do trânsito, só eu que sei como são terríveis, assim como os calos nas mãos segurando por horas aquela placa. A saudade do meu filho de 6 anos lá em BH às vezes me leva à loucura. Ainda bem que a mãe dele é a melhor mãe do mundo e está segurando a onda na minha ausência, pois ela sabe o quanto é importante as vendas em São Paulo. Tudo nesta vida tem seu preço. Se você não pagar o preço da vitória, não queira esperar por ela.
Segue o contato do mestre, para aqueles que não tiveram a sorte de encontrá-lo no trânsito: revistacelton@ig.com.br
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que barato isso!
ResponderExcluiresse é o tipo de coisa que dá o gás pra gente continuar e nunca desistir.
obrigado pelo post!
mark.
Sensacional, Grão. Das melhores (senão a melhor) coisas que já vi aqui no Zinismo.
ResponderExcluirApavorou!
ps. morra de inveja, Trip! morra de inveja, Arthur Veríssimo!
Já tinha lido sobre essa figura incrível, legal vc escrever e entrevistar ele, ficou da hora!
ResponderExcluirVocê entrevistou o cara que da hora....
ResponderExcluirFui eu não, foi o Grão!
ResponderExcluirFoi classe entrevistá-lo.
ResponderExcluirOutro dia o vi novamente no farol. Cara é um trampo punk...
Ao mesmo tempo que faz a parada mais delicada, desenhos e tal, tem a parte do trânsito que é muito hardcore e braçal!!!
GENIAL!
ResponderExcluirVou procurar ele pra comprar algumas das revistas.
Espírito punk em todo lugar, rocks!
O Celton é o tipo de cara que todo brasileiro deveria valorizar. Muitas vezes o vejo no transito caótico de BH correndo atrás de sua subsistencia e acho incrível sua batalha.Nota mil pra esse cara.
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