Não é sempre que ouço blues. Quando isso acontece, algumas imagens aparecem automaticamente na minha cabeça. Uma é de uma estrada de terra no meio do nada, ao sol do meio-dia e um negro de calça jeans, camisa xadrez, suspensórios e chapéu, sentado em um baquinho, tocando um violão e cantando para o horizonte. Às vezes também me aparece na imaginação um quarto alugado, com paredes de madeira com um inquilino tocando sozinho, enquanto o sono não vem.
O que é claro em ambos os casos, é a solidão. Blues, para mim, é estar só, pensando na vida, no seu mundo. E lendo o livro
Blues de
Robert Crumb, pude constatar que não estou tão errado assim.
O famoso criador de
Fritz, The Cat é um ardoroso, e até radical, fã de blues, chegando ao ponto de ter sua própria banda, onde toca banjo. Tornou-se colecionador e possui uma das coleções mais completas do estilo. E parte dela foi adquirida de uma forma inimaginável para os dias atuais: o cara ia de porta em porta em bairros negros em busca de raridades que adquiria quase que de graça. Foi numa dessas que descobriu o trabalho de
Charley Patton, disco do qual lucrou mais de 1000% do valor pago e mais alguns vinis.
E é justamente com a história de Patton que Crumb abre o seu livro. E a história de um bluesman acaba quase sempre sendo a de todos os bluesmen: o cara tem família, sua mulher toma conta de todos os filhos, arruma a casa e o quintal e ainda tem que trabalhar fora para colocar comida dentro de casa.
Enquanto isso, nosso herói continua com o seu violão, em seu universo particular. Não demora muito para ser tocado fora de casa ou ele mesmo seguir o seu caminho, depois de muita discussão e até uns bofetes de ambos os lados. Alguma semelhança com os sambistas da Lapa carioca da década de 1950?
Penso que, assim como o samba carioca, o blues não seria como é sem essa dinâmica particular do bluesman, ou seja, um cara desprendido de compromissos sociais e familiares, livre para tocar e curtir a boemia e compondo joias raras.
Tendo esse conhecimento básico do blues, é possível entender porque o rock é visto até hoje como rebelde e o motivo pelo qual os mais conservadores torcem o bico para ele. Afinal, na época que surgiu o ritmo pai do rock, quem não era cristão, era marginal e, se fosse músico então, a imagem piorava consideravelmente. E ainda tinha aquela lenda do “pacto com o diabo” que os grandes bluesmen faziam para tocar bem, que alimentava o repúdio a esses artistas.
Musicalmente, Crumb é um conservador. Para ele, o som puro mesmo é o que descreve nesse livro, fazendo questão de deixar bem claro em “Onde foi parar toda aquela magnífica música de nossos avós?” e em “Por que será que ver pessoas agitando e requebrando é tão repugnante para mim??” Imagino como ele deva estar mais revoltado ainda com as maravilhas proporcionadas pela indústria fonográfica atual...
Esse livro serve perfeitamente como uma introdução básica ao blues, pois ele sugere que se pesquise mais sobre o assunto. Ler essa publicação com uma boa trilha sonora (blues,
of course!) eleva a viagem, ainda mais pelo fato de que cada nome citado por Crumb desperta uma vontade medonha de buscar o disco na internet, o que é algo muito saudável, eu garanto.
Importante ressaltar que esse livro é muito mais que uma introdução ao mundo do blues, é, principalmente, uma declaração de amor a um dos estilos musicais mais puros e responsável por muita coisa que ouvimos hoje.
Boa ou ruim.