Por Marcelo Viegas
O que dizer sobre o Pin Ups que já não tenha sido dito? Uma das melhores bandas do Brasil? Pioneiros das guitar bands no país? A banda mais cult da cena indie? Ora, isso todo mundo já sabe, ou ao menos deveria saber... Da minha parte, gostaria de acrescentar apenas uma coisa: eles fazem uma falta danada!
Para matar um pouco a saudade, revirei minha gaveta, encontrei o velho gravador General Electric e transcrevi (finalmente) uma entrevista que fiz com a Alê Briganti (na época baixista e vocalista do Pin Ups) em 1997. É a primeira vez que essa entrevista é publicada na íntegra. Um trecho havia sido utilizado pela revista Rock Press, naquele mesmo ano, e outro trecho saiu no zine Lado[R], em 2008. Mas sempre tive a vontade de vê-la na íntegra, como segue logo abaixo.
Assim, fica aqui o registro, doze anos depois, para que as novas gerações conheçam um pouco mais dessa grande banda e da personalidade forte da Alê; e para que os velhos fãs recordem de histórias e pessoas fundamentais na construção da cena independente brasileira. Relaxe, coloque o “Lee Marvin” para rolar e boa viagem.
Certa vez vocês disseram que eram new wave. Você mantém isso?
Mantenho. Acho que a gente é muito new wave. Eu fui uma garota new wave. Aos onze anos descobri o Duran Duran. Porque eu gostava de rock, e vivia com uma amiga de descendência armênia, chamada Christianne, que tinha uns primos que amavam Queen... E eles tinham várias coisas: David Bowie, Queen, e tinham Duran Duran! Eles compravam uma revista chamada Sixteen, e aí eu descobri o Duran Duran e desde então virei uma fã fanática de Duran Duran, numa época em que não tinha informação nenhuma por aqui. E aí comecei a descobrir toda aquela cena new wave. Gostava de Police, Go-Go´s, Classic Noveau, Talking Heads... Gostava de todas essas coisas meio new wave. Esse foi um dos meus grandes backgrounds.
E o resto da banda?
É uma das grandes influências do Zé também, que é bem mais velho do que eu, tenho 25 anos e o Zé têm 32. Então ele seguiu também várias coisas do rock. Ele é total roqueiro, beatlemaníaco, e nada mais new wave do que Beatles.
Hoje em dia o Pin Ups tá mais pop, mais new wave do que antes?
Acho que o Pin Ups hoje em dia é bubblegum. Primeiro pelo meu vocal, talvez... Eu não sei gritar, não sou uma cantora tipo Courtney Love, eu sou uma pessoa que canta. Porque eu gosto de vocal feminino cantado (e também adoro vocal feminino berrado), mas não sei fazer bem o vocal gritado, então os meninos sempre gostaram de coisas mais "doces" e mais pop – Elastica, Weezer (que eu aaaaamo), Nada Surf –, que são as coisas que estamos ouvindo agora. Mas ao mesmo tempo, ouvimos um monte de coisas porrada e coisas estranhas.
Como está a recepção do público para essa nova fase do Pin Ups?
A recepção tá boa. Mas antes eu queria falar que acho que está rolando uma volta da cena guitar. O começo dos noventa era dominado pelo metal, o que pegava era Sepultura, Korzus, Dorsal, Ratos, Volkana, Viper, e o metal virou meio mainstream. A molecada que hoje em dia gosta de Bad Religion, na época gostava dessas bandas. Não tinha muito espaço para a cena alternativa e nem para o hardcore. As poucas bandas de hc que ainda sobreviviam (e eram poucas), ou as que estavam se formando, como o Garage Fuzz, Tube Screamers, Safari, estavam apenas começando, não tinha espaço. E tinha a cena guitar band – nós tínhamos lançado nosso disco em 1990 - que também estava começando. Era fim de 1990, começo de 1991, uma época em que a gente não tinha espaço, a não ser no Retrô e mais algumas casas. E aí de repente a cena começou a se fortalecer. As duas, né? Tanto a hardcore quanto a alternativa.
Você não acha que as duas coisas se misturam?
Fora de São Paulo elas se misturam. Em São Paulo elas não se misturam.
Você acha que muito da abertura que o hardcore tem hoje em dia deve-se ao estouro do Nirvana?
Eu acho que sim, mas muito mais pelo estouro do Green Day. Porque depois do Nirvana veio o Green Day, o punk e a Epitaph. E chegou uma época, de novo, que o guitar band tinha morrido. Se você não era hardcore, não tinha público. Era uma bosta, cara! A gente penou. Na época do "Scrabby?" não tinha público pro Pin Ups. Nós éramos muito metal pro guitar e muito pop pro punk. Só os metaleiros gostavam da gente na época do "Scrabby?", tinham vários metaleiros no show. Era "mó" pesadão e os metaleiros gostavam. O Luiz (Gustavo, ex-vocalista) era muito agressivo.
Todo mundo elogia o Luiz e, ao mesmo tempo, todo mundo diz que a banda melhorou com você no vocal. Que contradição louca é essa?
Eu acho que são duas bandas diferentes. Agora deu uma renovada. Com o Luiz a gente não ia poder sair muito daquilo. Na época do "Jodie Foster" ele já não estava gostando, não estava legal...
Qual motivo da saída dele?
Pessoal. Ele se casou e resolveu seguir carreira no meio publicitário.
Esse jeito do Luiz causou a fama de arrogância da banda?
No começo dos noventa o Pin Ups era uma banda grande no meio alternativo e adorada pela imprensa. Aí o Luiz, que é uma pessoa com senso de humor bem particular, começou a alardear sua opinião de que "o Pin Ups é a melhor banda do Brasil". Ele encarnou o Ian Brown do Stone Roses. Aí rolou e ficou pra sempre o comentário que o Pin Ups é um bando de gente metida e arrogante. E carregamos isso por muito tempo.
Que tal um balanço sobre a trajetória do Pin Ups? O que mudou? O espírito hoje é o mesmo?
Acho que ficamos mais velhos, sabe... O Pin Ups começou em 88, era um trio, era... Ah, a história do Pin Ups eu sei de cor e salteado, vamos então do começo... O Luiz e o Zé eram amigos e moravam no ABC (Santo André). Aí eles viram um cartaz de umas meninas, sei lá, "Lalá e Tatá – procura-se guitarrista e baterista". E pensaram: "pô, garotas, que legal, vamos fazer uma banda". Eles já gostavam muito de Primitives, e gostavam de muitas bandas femininas. Sempre ouviram muito som, são uns caras viciados em música. Foram atrás das meninas e quando chegaram pra ensaiar, elas não sabiam tocar nada! Eram péssimas, um desastre, só que o Luiz já tinha marcado um show. Eles convidaram o André Benevides e foram levando. A banda mudou de formação um milhão de vezes e, no final de 1990, eu entrei pra banda (antes tocava no MR-8). Em 1995 o Luiz saiu e, a partir daí, começou uma nova fase do Pin Ups.
Como fica o Pin Ups frente a nova configuração do rock brazuca? Uma cena que prestigia apenas as bandas que cantam em português e cuja grande onda é o retorno ao regionalismo... Como fica o Pin Ups em meio a tudo isso?
Ficamos na mesma. Continuamos sendo a mesma banda de sempre, nós não vamos cantar em português! Recebemos uma proposta indecorosa uma vez, de cantar em português e assinar com uma major. Uma coisa maluca! Só que não rola, entendeu? A gente tem que ser honesto com a gente mesmo em primeiro lugar. E em segundo lugar com o público. Desde 1988 a gente segue uma linha de trabalho, cantando em inglês...
Esse negócio de achar que "só é bom quem canta em português" é um grande absurdo...
Também acho isso péssimo, cara. Pra mim isso é um nazismo, é uma volta ao nacionalismo,. Eu odeio essa coisa de "você tem que cantar em português porque é a língua do nosso país"... Meu, não quero que você entenda o que eu falo. Quer entender? Vai ler a letra. Não quer entender? O som é legal... Se existe um público pro Oasis, por que não existe um público pro Pin Ups, ou pro Snooze? Se existe um público pro NOFX, por que não existe pro Garage Fuzz? Só porque somos brasileiros temos a obrigação de cantar na língua nacional? Meu, qual é o problema? Somos uma banda brasileira com potencial mundial!
E a história daquela crítica super ofensiva do "Gash" que saiu na Bizz?
Do Miranda? Eu não achei nada...
Mas gerou uma certa polêmica...
Fiquei chateada com ele, mas fazer o que?! Ele acha Maria do Relento a melhor banda do Brasil... E o pior é que o Miranda adora o Pin Ups...
Acho que hoje, mais do que nunca, a independência é o único caminho para o Pin Ups...
Lógico, sem dúvida!
Não por uma questão de postura, mas porque é o que a realidade permite para vocês.
Quero lançar por selos de guitar bands, quero me juntar as guitar bands... Eu nunca fui muito amiga dessa galera, porque eles sempre tiveram o maior preconceito com a gente, porque a gente sempre foi muito pesado pra eles... Eu não sei explicar direito isso...
É pelo fato deles gostarem de um som mais etéreo?
É, essa galera etérea é meio bichinha... (risos)
Mesmo o Brincando de Deus?
Não, o Brincando de Deus não é bichinha! O Messias é um cara legal e os caras da banda dele não são uns afetados idiotas olhando pro céu com carinha de "ai meu Deus, meu mundo caiu, quero ser igual o Pavement"... Eles (Brincando de Deus) não são assim, entendeu? São uns caras normais, tipo "ô meu irmão, beleza? Vamos fumar um, meu rei?". São tipo na moral, uns caras que gostam de som.
Mas e a galera do som etéreo?
Essa galera é muito sensível e a gente é tipo uns porraloucas, entendeu? Só que somos uns porraloucas que gostam de música sensível... Ai, como é que vou me exprimir sem ofender as pessoas? Têm uma galera que encarna uma coisa meio Joy Division, meio gótica, meio dark, e fica uma coisa meio "afetadinha". Eles nunca gostaram muito da gente porque sempre fomos escrachados... Aí as pessoas ficam com o pé atrás com a gente. Mas hoje em dia somos mais educados. Voltamos a nos corresponder com todas as guitar bands, com essas pessoas que a gente não tinha muito contato, principalmente com a galera do Rio. Eu na verdade estou falando basicamente dessa galera do Rio. Hoje em dia sou super amiga do Lariú e adoro as bandas: sempre gostei de Second Come, Cigarettes, Pelvs, sempre defendi essas bandas...
Mudando de assunto: o artista deve expressar apenas seu sentimento ou as "coisas do mundo"?
Acho que o artista deve exprimir os sentimentos dele. Isso é uma coisa da modernidade: somos muito egoístas, preocupados apenas com nós mesmos. Você não se preocupa mais com o "social", o "comum", o "comunitário". Eu acho que é uma tendência e acho que é uma coisa legal. Eu expresso com minhas letras coisas totalmente pessoais, não tenho mais a pretensão de descobrir o mundo. Entender o mundo com seus olhos é uma coisa; explicar o mundo para os outros é outra. Eu não quero explicar o mundo. Existe o que é comum, aquilo que todo mundo sabe que é bacana, as coisas corretas... Você entendeu onde eu quero chegar?
Mas isso não quer dizer que existam apenas as interpretações da realidade. Afinal, existem os fatos...
Existem alguns fatos, porque se ficar tudo muito subjetivo demais, peraí! Senão subverte demais...
Tem que ter um critério mínimo...
Um critério mínimo! Eu concordo com o critério mínimo. E tento ver os dois lados da coisa.
O mundo faz o indivíduo egoísta.
Exatamente. Lógico! É uma tendência. As coisas se encaminharam de tal forma que hoje em dia as coisas são assim. O mundo tomou um certo rumo e as pessoas hoje, nos anos noventa, são de um certo jeito... Geração X, né? Isso existe, cara! Isso existe, é verdade. Eu me sinto parte de uma Geração X de alguma forma: aquela galera jogada no meio de um monte de tendências... As pessoas hoje em dia não são civilizadas, elas não sabem mais viver em sociedade, não sabem mais dar um "bom dia", manter sua rua limpa, cuidar do que é do próximo como se fosse seu, cuidar da sua cidade como se fosse a sua casa. As pessoas perderam essas noções básicas de civilidade.
O homem se realiza no outro. Não é a estupidez da "minha liberdade termina onde começa a sua". É "a minha liberdade depende da sua"...
Mas ninguém vive bem junto, esse é um outro papo que a gente podia passar horas conversando: Por que a cena independente brasileira nunca vai pra frente? Porque as pessoas se odeiam. Se as pessoas convivessem em harmonia dentro de um mesmo recinto nós iríamos ter muito mais shows, muito mais zines, lojas de disco, muito mais tudo, cara! Mas você chega num lugar e vai encontrar com um cara que vai te dar um tiro pelas costas... Afe! Então foda-se: essa gente merece o que tem. Fica reclamando mas não faz nada para mudar, então fica aí. Foda-se, cansei.
Momento auto-biográfico: Alê por ela mesma.
Eu me vejo assim: uma mina chata e mala. Isso tudo desde que lí uma Melody Maker que tinha uma review da demo do Bikini Kill, e encarnei nessa viagem. E conheci também umas pessoas que fazem publicações de zines e tal, e me posicionei de uma forma anti-sexista. E isso tem mais ou menos quatro anos. Sempre vivi num mundo de homens, sempre, sempre, sempre... O mundo punk sempre foi muito machista! E muito sexista, por incrível que pareça. Mas a gente se acostuma, né? Porém, nunca fui zoada, nunca fui maltratada, sempre fui respeitada de alguma forma. E hoje em dia eu tento me posicionar muito mais. Porque cresci também, tenho 25 anos, não tenho mais paciência. Acho que trabalho pra caralho, sou tão inteligente quanto um monte de gente que está por aí, então acho que tenho que me posicionar sim. Hoje em dia a mulher não tem que engolir muita merda não! As pessoas são mais esclarecidas, o momento é de igualdade, então eu não admito. Não admito sexismo de forma alguma! E sou até meio chata com isso, boicoto algumas bandas, acho tudo uma bosta, vejo sexismo onde até de repente não tem. Eu sou chata demais.
Só para fechar com estilo, eis um depoimento atual da Alê, colhido poucos dias antes da edição final dessa entrevista...
Doze anos e duas filhas depois, posso dizer que sou uma pessoa feliz, tranquila e segura do meu espaço no mundo. Tenho a clara sensação de que meu dever foi cumprido na história do rock brasileiro e tenho certeza de que o Pin Ups foi responsável pelo surgimento de uma cena indie que existe até hoje. Como o Zé e eu trabalhamos na MTV, a gente tem a oportunidade de conhecer pessoas das novas bandas e é muito engraçado quando a gente descobre que grande parte delas conhece e tem admiração e respeito pelo Pin Ups. Dá aquela sensação de que realmente valeu a pena - pra gente eu sei que valeu e muuuuuuuuuuuuito - mas de que valeu pra mais gente também!
domingo, 26 de abril de 2009
PIN UPS: UMA TARDE EM 1997...
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entrevista nada menos histórica, né? lembro de conversarmos sobre ela ano passado, tomando um drink no balcão da Livraria da Esquina. parabéns, Viegas!
ResponderExcluirparabéns! voltei láaaa atrás nessa entrevista. e a última pergunta fechou mesmo em grande estilo, que legal! só pra acrescentar, um dos melhores shows da minha vida foi vê-los abrindo pro pixies em ctba, naquela noite gelada do curitiba pop festival. e isso faz 5 anos semana uqe vem. como o tempo passa né?
ResponderExcluirabração,
mark.
obrigado az, obrigado mark!
ResponderExcluire viva os nineties!
Sensacional!!!!
ResponderExcluirPuta!!!! que saudades!!!!
Saudades do Pin Ups, saudades de 1997, de tocar com eles no ALternative e no Planeta Rock, de esfumaçar o camarim com a Alê e o Flávio!!!
É como eu digo pro AZ, eu era feliz, e sabia!!!
Olha que loucura, carreguei bumbo do Marco em 90 e nada, minha primeira banda foi com o Zé Augusto (guitarrista da fase Joodie Foster que tá numa fotinho aí!), e nessa época da entrevista tipo já rolava até um afeto mútuo entre Marshmallow Pies e Pin Ups! Esse papo de Guittar Bands Unite!!!
Definitivamente, a melhor banda indie do Brasil, senão da América Latina!!!
é, eles foram foda. não tem jeito de mudar isso!
ResponderExcluirUm fato a se observar tanto na entrevista do Pinups quanto na do Vivisick é a consciência da importãncia dos Fanzines na "cena".
ResponderExcluirEste é o espírito.
Parabéns pela entrevista!
Nossa, bem lembrado! Eu curtia muito também! Tenho até as cartinhas que a gente trocava até hj guradadas!!!
ResponderExcluirÒtima entrevista!
Sim com certeza valeu muito a pena, sim da uma saudade absurda dessa época, a cena , as pessoas tudo tinha mais conteúdo, tinha mais alma, mais dedicação, era um acontecimento sair para ver as bandas tocarem ..... bandas como o Pin Ups principalmente, deixaram sua contribuição , sua identidade , e marca, para sempre.Parabens Viegas pela entrevista e atitude de colocá-la aqui para compartilhar e obrigada Pin Ups
ResponderExcluirBabi
Valeu Babi, valeu Anelise!
ResponderExcluirE agradeço tb os comparsas: Idea e Grão.
is we!
Viva os noventa!
Muito bom!!!!!!!!
ResponderExcluirvou correndo escutar os discos pra matar a saudade!
parabens Viegas! resgate fodido essa entrevista!
abraz
WD40
valeu Wellington!!!!
ResponderExcluirEntrevista fodastica!!
ResponderExcluirConheci o Pin Ups ja no finalzinho, mas essa entrevista me deu saudade até de um tempo que eu não vivi.
Morri...
Yo, Punkdoc!
ResponderExcluirobrigado pela visita, pela leitura e pelo comentário!
keep on punk!
Bom concordo com a babi em tudo , pode crer é nois sempre, sempre o velho pinups
ResponderExcluirQue resgate féra vc fez! Bons, bons tempos...
ResponderExcluirValeu Rateira, Valeu "Help"!
ResponderExcluirViva os noventa!