terça-feira, 17 de agosto de 2010

DO BAÚ: DESCENDENTS



Em 2007, escrevi uma matéria para a extinta Revista MTV sobre os 20 anos do álbum ALL, do Descendents. Era uma seção chamada "Do Baú", que resgatava discos clássicos. Pois bem, para os que não tiveram a oportunidade de conferir a matéria na época (a revista era apenas para assinantes, não chegava em banca), aqui está, na íntegra:

O hardcore melódico (e cafeínado) do Descendents

Para entender o tal do hardcore melódico é fundamental conhecer uma banda chamada Descendents, formada por quatro punk rockers acima de qualquer suspeita: Bill Stevenson (bateria), Milo Aukerman (vocal), Karl Alvarez (baixo) e Stephen Egerton (guitarra). O momento alto da trajetória da banda completa 20 anos em 2007. É o álbum ALL, uma jóia rara do hc melódico, que resume todas as melhores qualidades do gênero e, ao mesmo tempo, a fase mais criativa do quarteto


Por Marcelo Viegas


O Começo


O embrião do que seria o Descendents começou a ser elaborado em 1978, em Los Angeles, Califórnia. Mas só em 1980 foi lançado o primeiro single, Ride the Wild, apenas com o batera Bill Stevenson da formação que em 87 gravaria o clássico ALL. Completavam a banda Frank Navetta (guitarra) e Tony Lombardo (baixo). Era um trio, com uma sonoridade mais próxima da surf music. Mas essa fase durou pouco.


Pouco tempo depois do lançamento de Ride the Wild, o Descendents encontrou o vocalista ideal: Milo Aukerman, amigo de colégio de Bill Stevenson e peça-chave para o conceito nerd-punk-romântico da banda. Em 1981 saiu o primeiro registro com Milo na banda, o EP Fat, e em 82 veio o primeiro álbum, Milo Goes to College, cujo título era um prenúncio das idas e vindas de Aukerman, sempre dividido entre o rock e a bioquímica. Milo Goes to College foi o marco inicial desse novo estilo de punk levado a cabo pelo Descendents, cujos temas fugiam do lugar-comum do gênero. Por que não falar de garotas, pescaria e café? Afinal, são coisas que eles apreciam. Os mais xiitas estranharam, torceram o nariz, mas pouco importa. Nascia ali um tal de hardcore melódico. Ou californiano, como muitos também costumavam dizer.


E Milo de fato foi para a escola. A bioquímica falou mais alto e o Descendents ficou parado até 1985. Nesse meio tempo Bill Stevenson foi quebrar o galho de uma outra “bandinha” chamada Black Flag!


Milo volta da escola


Mas veio 1985 e veio também I Don´t Wanna Grow Up, para marcar o retorno de Milo. Vários hits da banda permeiam esse álbum, como “Silly Girl”, “Christmas Vacation” e “Good Good Things”. Um ano depois eles lançam Enjoy e a banda sofre alterações com a entrada do baixista Karl Alvarez (vindo da banda Bad Yodellers) e do guitarrista Stephen Egerton (vindo do Massacre Guys). Pronto, estabelecia-se a formação clássica e definitiva da banda.


Para celebrar esse momento eles entram em estúdio em janeiro de 87, e saem com um clássico nas mãos, o álbum ALL. Presentearam o hardcore com um disco no mínimo à frente do seu tempo. Apesar de punk até a medula, era evidente a qualidade técnica da banda: Milo e seu vocal absolutamente melódico, inspiradíssimo e fazendo jus a fama de “Sinatra do hardcore”; a bateria criativa, autoral e pesada de Bill Stevenson, flertando com o jazz, o punk e a surf music na mesma intensidade e facilidade; os dois estreantes, Karl e Stephen, trouxeram novos ares e idéias, mas sem descaracterizar uma vírgula o som da banda. Um milagre, Aleluia!


Com pouco mais de 38 minutos e 13 músicas (sendo 2 vinhetas, “All” e “No, All!”), é um disco repleto de grandes clássicos da banda (“Coolidge”, “Pep Talk”, “Clean Sheets”), cujas letras, falando de lençóis sujos por traições ou sobre a esperança de encontrar uma garota melhor, já eram uma especialidade da banda há tempos. Já não chocavam tanto o punk politizado, mas estavam longe da mesmice do estilo. E o melhor: sem nunca suscitar a menor relação com o tal do emocore, que nascia por aqueles mesmos dias em Washington, DC. O bom senso imperou pelo menos nesse caso, e a banda escapou ilesa desse rótulo.


Espertos, criaram seu próprio rótulo: geekcore. Geek o quê? Geek, de estranho, esquisito, não-convencional. Milo é o melhor exemplo: óculos fundo de garrafa, visual de nerd, bioquímico, cantando letras de amor e preferindo café do que cerveja. Isso é punk? É sim senhor, mas causou estranheza. Por isso o termo geekcore, que numa tradução pobre significa “hardcore estranho”. O tal do geekcore fez escola, com letras de amor e aquela palhetada abafada, marca registrada de Stephen Egerton. Muitas bandas nasceram dessa fórmula: Shades Apart, Hard-Ons, Big Drill Car, Pavers, Chemical People, etc.


Voltando pra cronologia: Ainda em 87 lançam dois álbuns ao vivo, Liveage e Hallraker. E aí, nesse ótimo momento da banda, Milo prova quão geek ele é e decide se dedicar novamente à bioquímica, trocando os palcos pelos laboratórios.


¾ do Descendents mais um vocalista


Cansados de esperar pela boa vontade de Milo, os outros três integrantes do Descendentes resolvem montar uma banda paralela para “matar o tempo”, chamada ALL. Era uma homenagem ao clássico disco e também uma maneira de levar adiante o conceito que eles haviam criado e batizado: a ALL-logística (a música “All-O-gistics” explica melhor esse conceito maluco). Recrutam o vocalista Dave Smalley (ex-Dag Nasty e atual Down By Law) e entram em estúdio no final de 87 para gravar o primeiro álbum da nova banda, chamado Allroy Sez. Esse disco traz na capa o boneco Allroy, que viraria símbolo da banda dali em diante.


Com o ALL lançam nove discos oficiais, tocando um som que se assemelha ao Descendents, mas com nuances mais roqueiros e uma certa influência de country music, ou seja, pequenos detalhes que diferenciam uma banda da outra. Principalmente os vocalistas, é claro: com a saída de Dave Smalley (em 88), quem assume o vocal é Scott Reynolds, ficando nesse função até 1992. Aí entra Chad Price, que está até hoje no posto.


O ALL passou pelo Brasil em 2002, numa mini-tour de 4 shows, mostrando toda a potência da sua música ao vivo. Nas palavras da própria banda, o ALL nada mais é que ¾ do Descendents mais o Chad Price cantando, uma prova de que o Descendents na verdade não acabou, apenas tem períodos de hibernação.


Milo tira férias do laboratório


Nove longos anos depois, eis que o Descendents volta à ativa em 1996, com o álbum Everything Sucks. Quando todos pensavam que a banda estava morta e enterrada, eles sacam da manga um discão nervoso, rápido e cheio de músicas dignas de figurar entre as melhores que eles já fizeram, como “I´m the One”, “When I Get Old” e “Thank You”. Além da paulada intitulada “Coffee Mug”, justa homenagem ao vício da banda pelo café.


Mas Milo estava apenas tirando umas férias, e teve que voltar ao trabalho. Para saciar a fome dos fãs, em 2001 saiu um disco ao vivo do ALL, chamado “Live Plus One”, que trazia de bônus um ao vivo do Descendents, gravado em 96, durante a turnê de divulgação do Everything Sucks.


E provando que quem é vivo sempre aparece, em 2004 o Descendents lançou mais um álbum, Cool to be You, para dar continuidade ao legado dessa verdadeira instituição do punk rock. O que dizer desse disco? O óbvio: mais uma aula de como fazer o tal do hc melódico, com classe, qualidade e café. Sim, parece que enquanto existir cafeína rolando em suas veias, esses tiozinhos não vão cansar de nos oferecer belos discos e canções. Café neles, então! E longa vida aos Descendents!!!



Obs. Uma das últimas aparições de Bill Stevenson e Karl Alvarez foi ao lado de Evan Dando, com o Lemonheads. Juntos fizeram um discão, auto-intitulado, que saiu em 2006 e teve edição nacional. Ambos não tocam mais (ao vivo) com o Lemonheads, mas rumores dizem que Bill vai produzir e tocar bateria no próximo disco de inéditas da banda. Além disso, Bill é um dos sócios do estúdio Blasting Room (Fort Collins, Colorado) e toca bateria na banda Only Crime. Karl Alvarez passou por alguns problemas de saúde, mas está melhor. Milo Aukerman mora com a família em Newark, Delaware, mas essa é uma informação não muito confiável, pois Milo é um sujeito que sabe se esconder quando quer. E Stephen Egerton continua produzindo bandas (coisa que ele faz tão bem quanto tocar guitarra), e recentemente lançou um disco solo chamado The Seven Degrees of Stephen Egerton, com vários vocalistas convidados, inclusive um tal de Milo Aukerman. Ah, e para constar: o Descendents anunciou três shows na Austrália em dezembro!



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8 comentários:

  1. Descendents é vida! Bela materia, bem completa e boa de se ler.

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  2. Obrigado, Diogo. Pela visita e pelo elogio.

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  3. Maravilhoso! Nada melhor pra levantar uma quarta de manhã. mug, mug, mug

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  4. Um detalhe curiosíssimo é que o tal personagem Allroy não por acaso tem os traços parecidos com o internacionalmente famoso Bart Simpson...
    Não por acaso um tal de Matt Groening, amigo da banda foi quem criou o tal personagem antes de um famoso desenho!

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  5. O Percolater do All é um dos meus discos preferidos de todos os tempos, e me arrisco a dizer, melhor do que qualquer coisa que o Descendents fez.

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  6. O Percolater é fodão mesmo! Aliás, o ALL com o Scott Reynolds é bom demais...

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  7. Poxa, busquei por Descendents no google e encontrei mais do que queria. Ótima matéria! Parabéns e obrigada.

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  8. "Say Hello...", obrigado pelo visita e pelo comentário. Volte sempre!

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