sexta-feira, 14 de outubro de 2011

PLEASE LET ME SING MODERN MAN



Demorei 15 anos para ver o Bad Religion novamente. Estava lá em 1996, no famoso show do Close Up Planet, e passei batido em todas as outras oportunidades. Aí pensei: "15 anos é um bocado de tempo, tá na hora de ver novamente". Além disso, circulavam (e acho que ainda circulam) rumores de que essa seria a última tour latino-americana da banda. Foi o estímulo que faltava.

Colei ontem no Via Funchal (São Paulo/SP), muito bem acompanhado por Henrique Nardi e Adriana Costa, para matar a saudade da banda californiana no palco. Entre velharias e novidades, o BR foi dando sua lição de hc melódico, parecendo não notar o que era claro para o público: o som do Via Funchal não estava legal. Isso é dizer o mínimo, fique claro.

Lá pela metade do show, avistei uma movimentação próximo ao palco. Demorei uns segundos para decifrar o que estava escrito naquela camiseta que um fã mostrava para a banda. Quando caiu a ficha, cutuquei o Henrique e disse: "Mano, olha aquilo, você não vai acreditar..."

Ele, de fato, não acreditou. Ficou atônito, e com toda razão. A camiseta trazia a seguinte frase: "PLEASE LET ME SING MODERN MAN".

Para entender porquê ele ficou atônito, é necessário abrir um longo parentêses, nas palavras do próprio Henrique:


"Março de 1999. Faltando uma semana para os shows no Olympia, tinha uma idéia fixa na cabeça: subir no palco e cantar uma música com o Bad Religion. Mas como?

Fã dos caras desde o início dos anos 90, já tinha tido duas oportunidades de vê-los ao vivo: a primeira, no festival Close-Up Planet, 96, junto com Silverchair e Cypress Hill. Um show maravilhoso, mas curto (uns 50 minutos), já que foram os Sex Pistols que fecharam o evento. A segunda chance foi na Warped Tour de 1998 em Washington DC. Um show ainda mais curto (meia hora), já que na Warped se apresentam umas 30 bandas no mesmo dia, em 4 palcos diferentes. Logo, esta seria a primeira oportunidade de assistir a um show completo da banda. Comprei ingressos para os dois dias, é lógico.

Música escolhida, estratégia definida: levar uma camiseta com a frase “Greg, let me sing ‘Modern Man’ and I’ll give you this t-shirt”. Pra que eles vissem a camiseta, eu precisaria estar o mais perto possível do palco. Então lá vou eu beeem cedo no dia 9 pro Olympia. Já tinha uma pequena fila, e mesmo assim fui cara-de-pau o suficiente para furá-la : ) Espera, espera, espera... portões abertos, corro pra colar na grade. Mais espera. E aos poucos o Olympia foi ficando muito pequeno. Fila do gargarejo é dureza. Se bem que, dureza mesmo foi ter que aturar o Pavilhão 9 como banda de abertura. Nada contra, mas não foi a melhor das escolhas.

Bad Religion no palco. Muito agito. Mais aperto. Pulando, cantando junto, e cuidando pra não ser arrastado pra trás. Com muito (mas muito) esforço, lá pela quarta música consigo um espacinho de volta na grade. E o tempo jogando contra (vai que eles tocam “Modern Man” antes da hora?). Acenava a camiseta e tentava chamar os caras entre as músicas. Até que o Jay Bentley, me viu e leu a frase. Deu uma grande risada e chamou a atenção dos demais pra camiseta. Todos se divertiram, mas nem um sinal de OK. Segue o show e eu sigo no gargarejo. Greg Graffin toma a câmera do cinegrafista que jogava as imagens pros telões e passa a filmar o público e tudo mais. Aplausos, diversão. Eu, com a camiseta esticada, à espera de um sinal. De repente, tem início “Modern Man”. Olho para o vocalista e ele abre as mãos, olhando pra mim, como se dissesse “aí, foi mal”. Só me restava acompanhar o resto do show. Mas antes mesmo da música seguinte começar eu grito pro Greg: “amanhã eu volto!!”. Mais risos.

Fim do primeiro round.

10 de março de 1999, de volta ao Olympia: chegar cedo, fila, espera... abertura dos portões, mais espera. Olhando pro público cada vez maior da segunda noite, encontro dois amigos que tinham acabado de chegar. De longe, aceno pra eles com a camiseta. Cientes do plano, os dois balançam a cabeça rindo: tsc, tsc, tsc... Aperto. Mais Pavilhão 9. Dureza.

Bad Religion em cena. Euforia geral. Primeiros acordes. Dobra o aperto. O jeito é seguir o fluxo, pulando e cantando junto, sem se afastar da grade. Perdi uns 2 quilos brincando nesse dia. Camiseta acenada. Chamo a atenção do Jay novamente. Risos e surpresa. Desta vez a camiseta trazia uma nova frase no verso: “don’t worry, I know the lyrics”. Mais risos. Nada de sinal. Lá pelas tantas, como de costume, a platéia começa a pedir a clássica “Yesterday”. Greg devolve: “‘Yesterday’, we did it...yesterday! Today we’re gonna play...” ele olha pro Jay e ambos dizem “Tomorrow!” com Greg Hetson já iniciando a música. “Ya hey!!” Foda.

Canseira. Seguem as músicas e nada. Camiseta estendida. Fila do gargarejo não é brincadeira. Até que Greg olha pra mim e diz: “and now it’s time for ‘Modern Man’”. Silêncio (de repente ficou frio). Alvoroço pra pular a grade. O pessoal em volta que acompanhava o drama deu uma força. O segurança gritava “calma! você vai subir”. E eu subi. Três mil pessoas e ninguém tava entendendo nada. Greg pergunta meu nome e cidade, e eu mostro a camiseta. Vou pro microfone do baixista, não sem antes ouvir um “you better be good!” desafiador do vocal.

Solo inicial (e o cagaço de esquecer a letra?). Greg começa cantando junto comigo. Quando percebe que eu sabia mesmo a letra, passa a dançar, fazer mímicas e caretas. O público agita - muito. Refrão. Estrofe. Solo. Refrão. “Just a sample of carbon-based wastage / just a fucking tragic epic of you and I!!” Êxtase. Aplausos. Vou cumprimentar o Greg, quando ele vem na minha direção e me derruba com um abraço. Mais aplausos. Entrego a camiseta, como prometido. Cumprimento todos os integrantes e volto pra platéia. A partir daí não ouço mais nada. O pessoal em volta me parabeniza e eu sigo pro fundo do Olympia tentando entender o que tinha acontecido.

Missão cumprida."


Corte pra 2011: Henrique atônito, e o fã sobe ao palco. William Younger é seu nome. Greg Graffin abre a votação, pra decidir se William cantaria ou não. Cantou. Cantou bem. Aposto que o Henrique cantou melhor em 1999, mas isso não vem ao caso. Se eu não acreditava no que estava vendo, posso imaginar o que passava pela cabeça do Henrique. Ele já tinha fotografado e twittado, registrando a inusitada situação. "Mano, veja pelo lado positivo: você criou uma lenda urbana", disse pro Henrique. No meio da música, ele começou a filmar e justificou: "Vou fazer aquilo que ninguém fez por mim". Não há nenhum registro em vídeo da façanha que deu origem a série.

Série? Algo do gênero sim, afinal outro fã brasileiro, Paulo Pilha, também cantou uma música com o Bad Religion. Mas usou outra estratégia e escolheu outro som. O relato da história está aqui e vale muito a pena.

Hoje de manhã encontrei o tal William no Facebook. Comentei com ele sobre a história do Henrique, e ele disse que de fato sabia do ocorrido. "Depois de saber que o Paulo Pilha tinha cantado em Seattle, alguns fãs comentaram que um cara tinha cantado há 12 anos e alguém postou o link do flickr", explicou William. "Como sou fã também, fiquei feliz em saber disso. Se não me engano assisti um show do Remaining (banda do Henrique) lá em São Caetano do Sul, junto com o Dead fish, e nem sabia que aquele cara tinha cantado com o BAD RELIGION." Pra finalizar, ele explica a escolha da estratégia Nardiana:"Não tive a intenção de plagiar a ideia dele, eu precisava ser direto."

Uma das características mais marcantes do Punk Rock é a proximidade de banda e público. Diferente da figura do Rock Star arrogante e inatingível, o Punk ensinou que não devem existir barreiras entre os que tocam e os que prestigiam. Todos são iguais, todos são importantes para a cena. As experiências de Henrique Nardi, Paulo Pilha e William Younger transcendem os significados pessoais. Elas são representativas também para cada um dos milhares de fãs da banda mundo afora.

Agora resta esperar pelo próximo capítulo dessa história. Ou, se preferir, dessa "nova" tradição.



Foto: Flavio Moraes/G1

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6 comentários:

  1. Eu tava lá no Olímpia e lembro perfeitamente dessa cena, foi foda demais, adrenou a platéia toda o mano mandou benzaço no vocal o Greg pirou...

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  2. Muito bom o texto. Fico feliz de ter influenciado o William de alguma forma. Confesso que só soube do Henrique depois de ter cantado em Seattle. No Rio, teve um cara que fez muito bem a parte do Rap de Let Them eat war. Mas até onde eu sei, cantar música inteira no lugar do Graffin, só eu, Henrique e William. Não sei de mais ninguém. heheh abs

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  3. Eu lembro do show de 99, o Henrique ficou muito feliz e sei que ele mandou bem no vocal :)

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  4. Pô, fico feliz que vocês tenham gostado do meu video e colocado no texto. Uma honra ter registrado esse momento.

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