quinta-feira, 20 de maio de 2010
HARDCORE 90 - UMA HISTÓRIA ORAL - ENTREVISTA COM MARCELO FONSECA
HARDCORE 90 – UMA HISTÓRIA ORAL – É o nome temporário do documentário que está em processo de produção e que começou com um trabalho de mestrado feito pelo historiador Marcelo Fonseca. Esse processo pode ser acompanhando em tempo quase real através do blog onde são postadas as novidades. As entrevistas em vídeo podem ser conferidas através do canal do Youtube. Pode-se notar através destas entrevistas que algumas palavras surgem e se repetem em diversas falas, indicando alguns marcadores importantes para o delineamento da cena hardcore (principalmente, mas não só de São Paulo) como o movimento punk, juventude libertária, straight edge, a influência do skate e de algumas casas de show como o Black Jack e o Der Tempel. Interessante notar que muitas das entrevistas dão sequência aos eventos mostrados no documentário sobre o punk brasileiro (Botinada), permitindo uma visão muito peculiar sobre a cena punk/hardcore das duas décadas (anos 80 e 90).
ZINISMO: Em que pé está a produção e para quando você prevê a finalização do documentário?
MARCELO FONSECA: Em outubro completamos 1 ano de produção. Foi um período muito bom, por poder sentir como é se meter a fazer algo do tipo (coisa que eu nunca tinha feito até então). Legal rever amigos, conhecer amigos de amigos e ir sentindo a reação dos entrevistados, e das pessoas que tem apoiado o projeto. A idéia é fazer por volta de 100 entrevistas, nesta semana vamos gravar a número 38. Tem muito a se fazer ainda, digitalizar material de época, vhs, hi8, fotografias, fanzines, capas de disco, pessoas para encontrar... Detalhe que a equipe do documentário é praticamente de 2 pessoas, eu e o Fernando Alves que me ajuda filmando. Tudo é custeado por nós dois, mesmo que algumas pessoas já nos ajudaram por um tempo. Eu tinha a ambição de fechar o filme mais ou menos junto com o meu mestrado (História Social na PUC-SP) em 2011, que é quando eu tenho de defender a dissertação. Mas não vai rolar, além de tudo eu também trabalho, então uma previsão mais próxima da realidade, com tudo que quero fazer, aumenta o tempo em mais um ano, ou seja, comecinho de 2012.
Fale um pouco sobre o papel dos fanzines na cena hardcore dos anos 90:
Fundamental. Aliás, sempre teve, independente da cena ou das idéias que estavam presentes. Já na década de 80, eram os fanzines punks que tentavam politizar o movimento, cobrando o fim da violência das gangues. É um veículo que não minha opinião é a expressão máxima do “faça-você- mesmo”, e importante, pois todo meio social precisa ter comunicação. Uma só pessoa podia escrever, desenhar, xerocar, distribuir, da forma que quisesse, como e para quem lhe desse na telha. Na década de 90, a internet engatinhava, e os fanzines, amparados por um rede gigante de correspondências que não era restrita somente o Brasil, “conectava” e distribuía a informação, fazia escoar a produção das distribuidoras, etc.
A partir dos anos noventa o hardcore em São Paulo começou a se dividir em nichos ou micro-cenas (ex: hardcore straight edge, hardcore melódico, etc). Você encara isso de modo positivo ou negativo?
Uma coisa que não podemos nos deixar levar é de que o hardcore seria uma coisa homogênea e harmônica. As contradições e diferenças das pessoas sempre estiveram presentes e querendo ou não, as pessoas se conectam mais ou menos em redes de afinidade. De certa forma isso sempre existiu, mas acho que durante um tempo, existia a necessidade por parte das pessoas da cidade de São Paulo, entrarem em contato com pessoas, se agruparem com gostava desse tipo de música e idéias, mas que não queriam se vincular ao ganguismo dos punks da antiga. A geração que viveu os anos 90 soube muito bem o que era ser intimado por usar uma camiseta do Misfits ou Ramones, e daí quando se encontrava com alguém que compartilhava das mesmas idéias, ou que gostasse de um som parecido era quase como acertar na loteria. Como o número de pessoas gradativamente aumentou, isso também ficou mais visível. Eu não acho nem bom nem ruim, lembro de shows muito legais de bandas muito diferentes, com pessoas muito diferentes e concepções sobre o hardcore-punk mais diferentes ainda... Faz parte do processo histórico de qualquer movimento social jovem, as pessoas são autônomas, respondem as próprias vontades, elas podem perder o interesse, ou mudar as idéias, ou se agrupar mais com quem pense como você e daí por diante...
Para finalizar faça uma breve análise comparativa entre a cena paulistana hardcore dos anos 90 e dos 00.
Eu acredito que nunca mais surgirá uma geração como a dos 90, assim como a dos anos 2000 também tem suas especificidades. O mais gritante é o acesso a informação, se nos anos 90, até existia, nos 2000 ela ganha dimensões estratosféricas com a popularização da Internet. Isso acarreta suas conseqüências também, se micro-cenas surgiram nos anos 90, devido a grupos de afinidade, tretas ou que seja. Dos anos 2000 para cá o público tem acesso e é bombardeado com informação que parece não dar tempo nem de se analisar, o que é legal ou não. Antes você escrevia uma carta para uma banda, o cara lhe mandava a demo e você passava a semana ouvindo isso no walkman. Hoje existe myspace, rapidshare, ipod... a vida ficou mais fácil, mas também privilegiou o domínio da imagem. A autenticidade dos anos 90, era uma mistura de ineficácia técnica, falta de referência e força de vontade que gerou tantas bandas legais, como No Violence, Againe, IML, Garage Fuzz, Abuso Sonoro, Rot, Ação Direta, Self Conviction, Kangaroos in Tilt, Point of no Return, Dominatrix entre tantas outras... Por outro lado, hoje a molecada tem acesso ao pacote completo , baixa a discografia, o visual, vê o vídeo da performance no youtube e por isso temos bandas genéricas aqui, na Eslovênia, na Austrália ou no Japão. Sem querer ser amargo, o excesso de referência matou um pouco da originalidade e espontaneidade. A galera que descende mais do hardcore melódico também é exposta a um universo mais da música comercial, entrando em contato com empresários, e um aparato de mídia que nunca imaginei ter contato... Mas cada geração com seus problemas, não quero soar velho e chato, isso é o que veio de imediato para comparar. Cada momento tem seus dilemas e vivências e longe de mim querer comparar.
Confira também a matéria que rolou no programa METRÓPOLIS da tv cultura sobre o documentário:
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Se por um lado a tarefa é árdua, por outro essas 100 entrevistas serão a garantia de um painel abrangente, que poderá dar conta dos principais elementos dessa história. Acho fundamental que essa história seja contada, que a memória seja preservada. Assim como o Dirty Money acabou de fazer, contando um pouco da história do skate anos 90 no Brasa, boto fé que esse docto faça o mesmo com o hardcore.
ResponderExcluirBoa sorte ao Marcelo.
Sem dúvida, o mais importante destes documentários é que "são histórias que precisam ser contadas" para não serem esquecidas, e de certo modo são partes importantes de nossas histórias pessoais também.
ResponderExcluirE vendo as entrevistas do harcore 90 (e o Dirty Money) consegui fazer algumas conexões, entender muitas coisas que não entendia enquanto vivenciava a época.
A história precisa de certo distanciamento para ser entendida, e principalmente de pessoas que tenham a atitude de contá-las!
Sorte ao Marcelo (2)!
legal ver que alguém tá documentando uma época (que "por acaso" nós que passamos dos 30 aninhos vivemos) onde as coisas não tinham a facilidade de hoje, mas por outro lado tinha uma inocência que praticamente não existe mais!
ResponderExcluirdeve vir coisa boa daí!
:-)
abrá,
tibiu
A comparação é uma desgraça!
ResponderExcluirAcho fantástico o trabalho do Marcelo Fonseca (Constrito), uma tarefa árdua, e por mais que próprio se esforce aparecerá um negativista para reclamar e colocar defeitos, coisas do Brasil, das cenas musicais etc.
Vivi intensamente esses anos, desde aquele maldito show do Ramones no Palace, tomei um monte de tapas da minha mãe, e não parei mais de ir aos shows. Projeto SP, Dama Xoc, Retrô, Cais, Der Tempel, Teatro Mambembe, Madame Satã, Hoellisch, Armagedon, Circular Paulistano. Não sei mas existia mais lugares do que hoje – nada de saudosismo, mas cada época tem que ser vivida intensamente.
Coloquei no blog essa entrevista!
Salut Compas!
Provos Brasil