segunda-feira, 6 de junho de 2011

ENTREVISTA GAZY ANDRAUS - PARTE II

O Zinismo publica a continuação da entrevista feita com o professor (e estudioso de HQs e Fanzines) Gazy Andraus. Nesta segunda parte a conversa segue pelos trabalhos em pós-graduação envolvendo fanzines, passa por uma análise destas publicações nas recentes décadas e resvala em uma miríade de assuntos, como física quântica, filosofia e a utopia de um ser humano melhor. Aperte os cintos e prepare-se para esta viagem "neuroplástica" !

ZINISMO - Como você acompanha a atuação dos fanzines durante as décadas de 80, 90 e atualmente?
GAZY ANDRAUS : Eu já descrevi isso numa matéria que fiz para o Zine Royale do Jozz: a conclusão foi que durante os anos 80 e meados de 90 a criatividade de nossos fanzines brasileiros era inacreditável! Tive homéricas experiências como com o “Só Uma?” do piracicabano Érico San Juan, que colocava uma HQ de uma só página de 6 ou 7 quadrinhistas por número !



Isso era criatividade: ele pensou numa maneira inteligente de ter vários colaboradores num zine de tiragem xerocopiada, forçando-nos a criar HQ de uma só página! De certa maneira, um pouco desse estilo de HQ hai-kai (um tanto quanto koânica) se deve também a esse tipo de experimento. Houve muitos outros fanzines que foram importantíssimos, como o “Tchê” no sul (que existe até hoje, do Denílson Reis, e do qual ainda participo), e o principal, “Barata” de Santos , que fez o mesmo que o “Só Uma?”, na questão de apresentar vários colaboradores por número, mas não havia a necessidade de ser só HQ e podiam ter mais páginas para cada história (até umas 5 ou 6, como média).



Esse limite de páginas, aliás, foi o que nos ajudou a desenvolver esse estilo poético conciso de HQ, forçando-nos a sermos mais gestálticos, lacunosos na sequencialização, já que tínhamos poucas páginas para criar e publicar uma HQ. Além disso, como já mencionei, havia a exposição anual de Zines na Galícia, e sempre mandávamos nossos fanzines pra lá. Eu e o Edgar tínhamos um trabalho similar e sempre que nos encontrávamos havia uma profusão de troca de informações, zines, pesquisas etc que enriquecia sobremaneira ambos! Foi aí que fizemos o “Irmãos Siameses”, já mencionado: um zine que teve relativa penetração, e que foi o estopim para termos a alcunha de “fantasia-filosófica”, graças ao Henrique Torreiro, organizador da Xornadas de Fanzines de Ourense, dando-nos esse estigma ao receber e ler nosso trabalho! Mas depois, mais atualmente, com o barateamento tecnológico e inserção da Internet e dos e-zines, algo mudou: a qualidade criativa parece ter dado lugar mais à mesmice, mas com qualidades gráficas surpreendentes, já que a impressão barateou. Capas coloridas, miolo com papel couchê etc. Acho que isso deslumbrou a maioria dos novos fanzineiros e se descuidaram do foco no criativo. Mas acredito que isso vai voltar e se modificar de algum modo.


Fanzine Royale

O que é o Biograficzine? Como tem sido sua aplicação no ensino superior e quais são os resultados?

Elydio dos Santos Neto, que vim a conhecer no último ano de meu doutorado e agora é grande amigo (dedicando assim a ele também parte dessa entrevista) foi quem teve a idéia como professor de mestrado da área de Pedagogia da Universidade Metodista de São Paulo onde ele lecionou - agora ele está na Universidade Federal da Paraíba -, após me convidar para falar a seus alunos de mestrado da Pedagogia acerca de fanzines e HQ e dar cursos rápidos de capacitação. Como ele estuda teóricos da pedagogia e educação que defendem histórias biográficas de vida como parte do aprendizado e formação do professor, ele pensou que podia aliar isso à criatividade incrível dos fanzines em suas miríades formas e temas! Acertou em cheio e os cursos foram um sucesso com muitos dos alunos do curso (que já eram professores e até diretores de escola) darem vazão a seus arroubos criativos e histórias de vida. Isso esclareceu e reforçou a todos que os zines:

a) unem as pessoas fraternalmente e;
b) permitem com que conheçam mais a si mesmas e a suas capacidades criativas inerentes !



Disso tudo resultou um artigo “Dos zines aos biograficzines: Compartilhar narrativas de vida e formação com imagens, criatividade e autoria”, publicado no livro “Fanzines - Autoria, subjetividade e invenção de si”, organizado por Cellina Muniz - com artigos de outros autores também, como Demetrius Galvão, Fernanda Meireles, Ioneide dos Santos etc.



Recentemente eu e Elydio reestruturamos um pequeno texto derivado do que foi publicado no livro para apresentar na seção de Narrativas Visuais do IV Seminário de Pesquisa em Arte e Cultura Visual que ocorrerá em junho desse ano de 2010 na UFG, em Goiânia. Apresentaremos um dos biograficzines que resultou da oficina em que uma ex-aluna do mestrado mostra todo o percurso principal de sua formação como educadora, na forma de história em quadrinhos.

Creio que esse pioneiro método pedagógico-artístico poderá ser ampliado a partir de mais divulgações, já que explora a criatividade e autoconhecimento dos alunos da área de educação (e quiçá de outras) – que lhes será útil em sua formação e auxílio pedagógico como professores também!


Biografic Zine - Maria Helena Negreiros


Biografic zine - Prof. Elydio


Biograic zine - Gazy

Qual seria o sentido da existência dos Fanzines nos dias de hoje?
Acho que respondi um pouco disso duas perguntas atrás. Mas penso que agora o foco está também no ensino. Fanzines cresceram em fama acadêmica e estão sendo usados em escolas e em cursos de pós graduação, como falei antes. O filme documentário “Pro dia nascer feliz” mostra, por exemplo, num dos momentos que uma professora dá aula de zines na escola, e que eles ajudam a turma a ficar mais unida, a elaborarem seus fanzines dialogando e buscando criativamente fontes e pesquisando! Creio que o caminho atual dos zines é serem descobertos pelas escolas e mais valorizados em pesquisa ainda nas universidades. Ponto para Henrique Magalhães que ajudou a começar isso tudo com sua dissertação de mestrado que virou o livro “O que é fanzine”, o qual a editora Brasiliense teima em não relançar! E seu doutorado também, feito na França, bem como sua magnífica editora “Marca de fantasia”. Outro importante nome é o de Edgard Guimarães e seu tradicional “QI – Quadrinhos Independentes” que faz as vezes de uma revista temática crítica sobre os fanzines no Brasil! São esses que fazem a paratopia zineira ser possível e cobrir as lacunas do sistema capitalista reducionista limitante que castra o potencial criador dos seres humanos! Aliás, nem preciso dizer que dedico a esses dois nomes e pilares do fanzinato já que ambos me publicaram, parte também dessa entrevista!



Fala-se em um novo boom dos fanzines no Brasil nos dias de hoje. Você concorda? Se sim, por que acha que isto está ocorrendo?Reitero que esse boom está mais na valorização das mídias e sistemas acadêmicos que pouco sabiam disso! Isso dá uma valorização maior da liberdade criativa que os zines podem propor!
Creio que os zines sempre vão existir, independente até da tecnologia usada. Considero os blogs uma espécie de fanzine mixado com diário pessoal, por exemplo, e isso se amplia na rede internet. Na verdade, enquanto o ser humano tiver idéia própria, o fanzine vai continuar, não importa de que maneira, mídia ou forma, pois a essência de um zine é sua liberdade ideária e criativa, e isso nada há que tolha, pois reside de modo imaterial na mente humana!

Gostaríamos que você indicasse para nossos leitores, algumas dicas de produções, sites etc que você considera fundamentais para entender os fanzines nos dias atuais:
Além do livro que participo com Elydio “Fanzines - Autoria, subjetividade e invenção de si”, aconselho também outros como “O que é fanzine” de Henrique Magalhães, se conseguirem encontrar, porque a editora brasiliense teima em protelar uma reedição desse importante e marco tomo da área de um dos pioneiros da pesquisa zineira do Brasil, que é o Henrique. Há outros como “O rebuliço apaixonante dos fanzines”, “A nova onda dos fanzines” e “A mutação radical dos fanzines”, todos os três do Henrique Magalhães, e que podem ser encontrados diretamente em sua editora Marca de Fantasia. Um artigo que traz uma boa listagem, incluindo livros de HQ está no site Bigorna.net, diretamente no artigo de Elydio dos Santos Neto: “Dez considerações para professores que desejam trabalhar com as histórias em quadrinhos (Parte III - Final)”;

Além desses, claro, o Anuário de Fanzines da Ugrapress recém lançado e que pode ser baixado na Internet ou lido direto no link e o vídeo “Fanzineiros do Século Passado” do Márcio Sno, que pode ser visto no seguinte link .

Aconselho igualmente a leitura de meu artigo “A independente escrita-imagética caótico-organizacional dos fanzines: para uma leitura/feitura autoral criativa e pluriforme” que pode ser baixado no site do 17º. COLE – Congresso de Leitura do Brasil onde eu o expus em Campinas, em que traço um perfil do potencial criativo que os fanzines deflagram na mente, ilustrando com a riqueza de seus formatos e temas. Ainda acerca de meus trabalhos, existe uma série de textos autobiográficos de minha relação com as HQ e zines na seção de História em Quadrinhos do site do IBAC, sem falar de outras colaborações nos blogs ImpulsoHQ com a minha coluna “Consciência e Quadrinhos” e no Bigorna.net.

Não deixem de consultar também mensalmente o site do CCJ-Centro Cultural da Juventude Ruth Cardoso, pois este ano sou o curador da “Programação de Formação de HQ e Zines” que acontece desde março seguindo até o segundo semestre de 2011, como parte da comemoração dos 5 anos do CCJ, e que traz um pouco de tudo da área: mesas, debates, palestras e cursos de HQ e de fanzines discutindo-os como arte e educação. Para isso, venho elencando vários expoentes, tais como Laerte, Flávio Grão, Edgar Franco, Will, Bira, Laudo, Paulo Ramos e muitos outros! Acessem mensalmente o site do CCJ para se manterem informados e participarem dos eventos gratuitamente!

Espaço livre para uma mensagem final:
Creio que já expus bastante e com muita liberdade e informação, mas como mensagem final penso que devo alertar que cada um de nós somos seres sempre em formação, e se não nos pomos a criar (seja de que forma for), nós represamos uma força interior extremamente grande, e isso causa prejuízos psíquicos. Recordo-me de Wilhelm Reich que bradava em seu livro “Escuta Zé ninguém” que o ser humano tem uma energia – a que ele denominou de orgone – a qual deveria usar e não represar. Ele acusava que essa energia era represada sexualmente e isso nos tornava a todos doentes, sendo o sistema agrilhoador do homem e culpado por não permitir a fluição (e consequentemente impedindo uma fruição interna).


Escuta Zé Niguém - Wilhelm Reich

Na minha visão, embora ele estivesse certo com relação à energia, ela não necessitaria ser diluída sexualmente como fator primordial e único: outras expressões criativas poderiam auxiliar, substituir e corroborar, como por exemplo o ato desportivo de um grande e criativo jogador de futebol ou um pintor, como exemplos básicos! Essa energia, a meu ver, é a conhecida por “C´hi” oriental, ou o “prana” indiano, que nos envolve e não sabemos nem como usar, ou a utilizamos mal. Daí vêm as distorções e as desgraças psíquicas, junto de egrégoras que vão se formatando (poder-se-ia chamar de campos mórficos até, conforme o biólogo Rupert Sheldrake alcunhou determinadas possibilidades geracionais evolutivas). Mas está na hora de mudarmos nossos padrões de conduta, de pensamento, senão não melhoramos e não mudamos nossos paradigmas!

A mente é neuroplástica e temos que saber disso. Os físicos quânticos, por exemplo, até hoje admitem que não entendem (com a lógica linear) como as micropartículas quânticas são ambivalentes, ora surgindo como ondas e ora como partículas, numa lógica paradoxal. Isso racionalmente era inconcebível, até que eles foram se acostumando com a idéia e agora aceitam-na naturalmente! O que aconteceu? A natureza não se modificou...mas a mente plástica do homem se amplificou e trouxe uma nova possibilidade “lógica” aceitável que antes nos era inconcebível: assim, as coisas que supostamente “não existem”, existem, e as que parecem ser de tal maneira, podem sê-lo totalmente distintas: e creio que os fanzines são exemplos dessas possibilidades! Uma pesquisadora chamada Áurea Zavan os chamou de paratópicos - estão em algum lugar (topia) paralelo (para) às publicações e editorações dos livros ditos oficiais.

Assim, os fanzines parecem as micropartículas atômicas: embora aparentem existir fisicamente, se comportam também como possibilidades quânticas de energia: são passíveis de serem medidos no tempo/espaço, se o observador/leitor/pesquisador/buscador assim o fizer. Do contrário, aparentam não existir materialmente, mas sim como energia imanifesta em qualquer lugar. Ora, os fanzines não são “oficiais” e a grande maioria nem sabe que existem: mas estão aí como publicações paratópicas aos livros e revistas, trazendo as possibilidades de reflexão das idéias humanas mais ainda que a limitação comercial e capital das editoras que impediriam – se apenas pelas vias editoriais conhecidas – a manifestação de muitos autores que extravasam seu potencial de energia (orgone, c-hi, prana etc) na paratopia zineira, mancomunando-se e espargindo-se num campo mórfico extremante resiliente e criativo!

O cientista brasileiro Miguel Nicolelis, que construiu um centro científico de conhecimentos e sobre o cérebro na periferia de Natal – contra todas as opiniões que afirmavam que a idéia não resultaria devido à pobreza do local – disse numa entrevista que os alunos de lá, após visitarem o complexo e interagirem nele como uma escola prático-teórica alternativa, passaram a vislumbrar a vontade de serem físicos, paleontólogos, arqueólogos etc, diferentemente das idéias preconcebidas que tinham antes, de serem apenas jogadores de futebol ou atores e atrizes de tv! Acessem o link da entrevista dele para verem!

O que aconteceu foi que um mundo se abriu e amplificou a estreiteza mental a que estavam acostumados! O ensino, o conhecimento rico, amplia nossa inteligência e nos estimula a sermos co-criadores universais! Ao contrário, a mesmice sempre repetitiva e a falta de objetivos ulteriores nos mina a energia e nos faz limitados, ludibriando-nos, metaforicamente como a história da águia e a galinha trazida por Leonardo Boff: para ele, o homem é águia, mas enquanto não percebe isso, se coloca como galinha e acaba não usando as asas de águia que tem para voar, ficando sempre ao chão ciscando! Metáfora melhor não existe do que somos exponencialmente, e do que perdemos em não percebermos e ingressarmos nesse novo paradigma de realidade!

Fazer e ler fanzine é uma dessas miríades de possibilidades geradas, e que podem nos ajudar a empregar as asas de águia novamente!
Grande abraço!

O ZINISMO agradece ao professor Gazy Andraus pela entrevista e por permitir que compartilhemos com nossas leitores suas inquietantes idéias! Para frente é que se segue!

PS: Leia a primeira parte da entrevista aqui.

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