quinta-feira, 10 de novembro de 2011

SUMIÇO NA MANSÃO




Por Douglas Prieto*


Em 1989, comecei a fazer o segundo grau, ou ensino médio, numa escola do Ipiranga, chamada “Alexandre de Gusmão”. Um dos meus primeiros colegas foi um tipo meio lunático, um sujeito chamado Danilo, apelido Tucano (por conta da composição facial) e óculos espessos. Um cara daqueles que não gostava de estudar, mas se garantia nas provas graças a sua inteligência.

Acabamos nos tornando amigos por conta do gosto musical, mesmo sem ter nenhuma banda em comum. Eu ia atrás de tudo que tinha alguma ligação com skate, e vivia num mundo de TSOL, Suicidal Tendencies e bandas de metal. Ele era um aficionado pelo que chamava de "Industrial" e EBM (Eletronic Body Music), e vinha com Nitzer Ebb, Neubauten e se esforçava diariamente para me mostrar que o Front 242 ia muito além do que aparecia no Clip Trip, extinto programa da TV Gazeta. Mas o que era exatamente igual é que nós dois não queríamos escutar as bandas que chegavam aos nossos ouvidos, mas sim queríamos escolher o que ouvir. Essa atitude em relação a música nos tornou mais próximos do que se gostássemos do mesmo rótulo.

Respirando música 24h por dia (só a revista Mad, que encapava seus livros e cadernos, o fazia mudar de assunto), ele arrumou um trabalho na Mansão dos Nobres, casa noturna que funcionava na Av. Ricardo Jafet. E lá, ele aproveitou-se da boa biblioteca musical de maneira camarada. Certa vez, me gravou um K7 com LL Cool J de uma lado, N.W.A. do outro. “Vocês skatistas gostam de rap, não é?” foi a frase que me disse ao me entregar a fita (sem esquecer de exigir uma nova fita virgem).

Mas, surpreso mesmo, fiquei quando ele me trouxe esse LP, devidamente subtraído da Mansão, em sua última semana de trabalho por lá. Era o “New Traditionalists”, disco do Devo lançado em 1981, devidamente etiquetado e numerado pelo antigo proprietário. Ele me entregou o disco sem capa, disse que estava saindo do emprego, que esse disco jamais tocaria naquela casa, e portanto, não faria falta alguma lá. Tenho apenas dois LPs que guardo até hoje, e esse é um deles (o outro é do Grinders).

Logo depois desse presentão, o ano letivo acabou, e o cara sumiu. Quando fui no show do Front 242, há cerca de 6 anos, procurei-o na platéia, e ele não estava lá. Nunca mais vi o tal do Danilo, e não me recordo do sobrenome dele, de forma que não consegui encontrá-lo via redes sociais. Queria saber o que está ouvindo hoje em dia um cara que em 1989 falava com empolgação sobre como era bom “o novo 7 polegadas do Cassandra Complex” numa sala de aula de um colégio estadual.



*Formado em Propaganda e Marketing, Douglas L. Prieto é redator, colunista e blogueiro da Revista CemporcentoSKATE e Editora ZY. Em 2011 voltou a sentar na cadeira da escola, e está fazendo Pós-Graduação em Jornalismo e Direção Editorial na ESPM. Mas, acima de tudo, é skatista de alma, levando a vida em cima do skate desde 1987. Essa é sua primeira colaboração direta no Zinismo, e esperamos que seja a primeira de muitas.

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5 comentários:

  1. Nos anos 90 era muito comum a prática da sutil arte da apropriação de LPs...

    http://zinismo.blogspot.com/2008/11/frutas-frescas-e-vegetais-podres.html

    Apareça mais Douglas!

    Grão

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  2. Muito bom!! Nessa década eu me apropriei de um LP do "ULTRAVOX - Vienna" de um amigo meu... e se apropriaram de um "DEVO - Duty Now For The Future"...
    Em 2000 esse amigo foi procurar após 8 anos ele foi procurar o disco comigo e acabei por devolver, e em 2001 trabalhando na galeria do rock comprei a versão em CD, usado mas novinho e o valor equivalente a uns US$ 3,00.
    Meu disco do DEVO foi devolvido expontâneamente após 26 anos em 2009, com um pedido de desculpas pelo cara ter esquecido, e por termos perdido contato não nos vimos mais.

    STEVE LIMA.

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  3. Pusta Post!

    Cara, nessa época você devia ler bastante a extinta revista Skatin', então! Eles eram uma espécie de 'fluir' do skate, e, se minhas suspeitas estão corretas, vocÊ sabe muito bem como eram! Ultimamente comprei uns 4 números dela no ML, mas é bem difícil de achar. Embora eu tenha começado o segundo grau só em 1994 (5 anos depois que vocÊ), em 1989 eu era um pouco precoce (ou eu achava que era) e curtia todas essas coisas que você comentou acima (inclusive a Mad tão adorada por seu 'cleptoamigo', rs). TSOL , Suicidal e Skate, esse era o zeitgeist que me influenciava, do auge dos meus 9 anos. Assistia muito Clip Trip (com propagandas frequentes do comerciante maluco que jogava camisetas de marcas pra cima,e, que depois, se tornou político, o Turco Loco). Assistia muito O Grito da Rua também, cuja música tema era a 'flowers by the door' do TSOL. Como eu passava boa parte do meu tempo em Perdizes, cheguei a conhecer um skatista da época, o Cupim. Ele batia ponto numa das melhores lojas de skate que conheci, a Mustabi (Creize), na Monte Alegre. O dono era o mesmo cara que apresentava o Grito da Rua, o Badeco.
    Enfim, pena que eu era mais novo, e não vivi tão ativamente esse cenário do skate do final dos anos noventa. Na época, eu ainda era muito "prego" (a skatin publicava às vezes um 'dicionário' de termos de skatistas, haha).

    Espero ver mais textos teus aqui, e trocar ideias. Tenho uma gratidão muito grande pelo Viegas e sempre passo por aqui para ler mais sobre o cenário 'udigrudi'.

    Se quiser ler um post meu, procure 'video macumba' na pesquisa do blog e encontrará.

    Um abraço!

    Marcelo

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  4. valeu pelos comentários, Grão, Steve e MxRxMxF. Música + skate = boas histórias e boas pessoas!

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