terça-feira, 28 de outubro de 2008

DISCURSO DO EXCLUÍDO?



Por Edu Zambetti



Outro dia estava navegando neste acelerado mundo virtual, lendo sobre fanzines, demo-tapes, mainstream e cultura alternativa como um todo. O motivo era o de fazer uma preparação para o debate dentro do evento “BIT – Olhar Sonoro” para o qual eu, Grão e Viegas fomos convidados. Em quase todos os textos, alguns mais acadêmicos do que outros, me deparei com uma lógica que pode (ou deve) ser, no mínimo, questionada.

É claro que a maioria destes artigos traz ótimas informações ou apontam para fatos muito interessantes dentro deste universo em questão, mas uma palavra bem específica fez com que eu estivesse aqui neste momento, digitando estas palavras...

Excluído!
Poderia dizer que este termo reverberou de forma constante em minha mente nestes últimos dias.


Quem faz arte de qualquer vertente, dentro do mundo alternativo (indie, underground), parece corriqueiramente ser percebido como o indivíduo que excluído da mídia padrão (comercial) ou excluído do circuito cultural padrão, acaba gerando, construindo seu próprio circuito, seu próprio canal de expressão de maneira absolutamente primorosa. Lendo a frase assim, sem pensar muito, parece que a afirmação é coerente, mas uma forma um pouco mais precisa de descrição da realidade merece ser elaborada numa primeira discussão seguindo as sugestões sintetizadas a seguir:


No mundo do consumo, os formatos de arte amplamente divulgados pela mídia óbvia (canais de tv, jornais, rádios, revistas, etc) trazem sua linguagem específica e tem seu modelo de registro baseados em moldes comerciais (mesmo em se tratando de uma banda de rock, por exemplo), pasteurizados, adequados para esta caixa de divulgação para as massas. De forma bem simplificada, fica fácil de perceber que o resultado final revela mais um produto a ser comercializado do que arte (como estética positivante) propriamente dita, porém, isto não significa que a qualidade do trabalho realizado dentro deste grupo é extremamente bom ou extremamente ruim. Vale lembrar que o trabalho artístico pode ser melhor ou pior, convenhamos que, embora estes sejam termos relativos, há sempre um consenso dentro disto (o som de um violão afinado é sempre mais agradável do que o de um ruído de motor), independente de estar inserido nesta mídia padrão e ser caracterizado como produto, ou não. O foco aqui esta muito mais na questão do espaço de divulgação do que na qualidade do que é produzido.


No circuito alternativo, fanzineiros, músicos, artistas plásticos, escritores, atores, cineastas estão por todos os cantos produzindo, criando, despejando sua forma de expressão laboratorial nos mais diversos formatos e ousando das mais diversas formas. Se existe regra ditada para todo este grupo, teoricamente ela é única: Tente não seguir regras!

Neste sentido, produzir um fanzine, por exemplo, não significa que por traz de sua produção exista um jornalista excluído da mídia que irá divulgar trabalhos de artistas plásticos excluídos do circuito cultural, resenhar apenas material de músicos excluídos das grandes gravadoras, aceitar textos apenas de escritores excluídos das editoras comerciais e ainda, que apenas os excluídos terão acesso a ele. Ainda no exemplo, produzir o tal Fanzine significa muito mais optar por este formato, optar por esta linguagem, optar por este público. Optar... Escolher... Querer trabalhar dentro deste universo de criação “livre”, praticamente sem barreiras e, é claro, sem vínculos comerciais evidentes.


Quase sempre, dentro deste grupo, novas linguagens artísticas vêm à tona e até velhas formas são resgatadas, recicladas, tudo com recursos corriqueiramente diferenciados do padrão comercial. Muitas vezes a falta de recursos (não por impossibilidade, mas por opção imediata) faz com que o resultado final se revele inédito, e isto não é por exclusão dos recursos padronizados e sim pela escolha do formato que esta à mão. Exemplificando, fotografar com a imprecisão de uma máquina analógica velha pode trazer resultados surpreendentes tanto para quem fotografa quanto para quem aprecia a imagem após sua revelação. Gravar a própria banda usando softwares livres ou gravadores K7 multipistas pode, ao invés de trazer um resultado ruim, resgatar uma sonoridade há muito tempo abandonada pelos produtores musicais da moda, ou ainda, resultar numa sonoridade criativamente diferenciada do padrão em voga, voltando as atenções do público para tal trabalho e gerando uma série de seguidores...

A questão é criar um próprio padrão artístico baseado em soluções diferenciadas das seguidas pelos inseridos no circuito comercial.

Acontece que estas soluções acabam, num paradoxo, por um lado servindo de nova referência para a mídia normal (comercial) e, por outro lado, se contaminando por esta mesma mídia. Uns criam colunas cada vez mais sólidas dentro do universo alternativo para que seu papel se torne mais relevante dentro da cultura, paralelamente, outros acabam almejando adentrarem naquela grande mídia, como se a cultura alternativa fosse apenas um degrau abaixo do que se vê e se vende para as massas, sendo que a realidade, de certa maneira, é o oposto disto. De qualquer forma, só o último dos dois pode parecer excluído, mesmo assim, não em sua totalidade. O primeiro “é alternativo” e o outro (na sua própria visão) apenas “está alternativo”, mas isto não significa que este último queira se inserir nos padrões comerciais sem questioná-los, significa também que ele quer, para o bem e para o mal, ter seu padrão alternativo inserido lá. Então vem o dilema:

Positivamente é animador pensar em um padrão estético (pictórico, sonoro, gestual, textual) novo ou renovado sendo aceito e distribuído por uma grande corporação, assim, tal alternatividade poderia se espalhar para as massas e ter uma influência mais marcante dado a experiência de apreciação coletiva proporcionada. Negativamente, este padrão contestador de formatos ao ser absorvido por esta indústria da consciência deixa de ser alternativo e revela pelo menos um véu da sua triste fragilidade: O alternativo é conteúdo latente do mainstream. Isto não é o mesmo que dizer que não existe mais separação da cultura padrão e da a tal contra cultura, significa muito mais que na formatação econômica e social dominante e caduca, qualquer manifestação artística e cultural diferenciada está e sempre esteve prestes a virar produto comercial.   

Sobre esta coisa de excluído, parece ser melhor inverter o vetor de raciocínio: Aquele alternativo que chegou ao “nirvana” dos grandes conglomerados midiáticos agora é da turma dos iguais, dos sustentáculos da máquina conservadora, mesmo com padrões estéticos diferenciados num curto prazo (num longo prazo o diferente se torna normal-normalizado). O que não foi abraçado pela indústria cultural segue com o grande mérito da negação do padrão midiático e construindo com seus mérios e ao seu tempo o seu circuito, um pouco mais livre e com diferenciação estética com possível  longevidade. Aqueles que estavam alternativos esperando um lugar no mainstream provavelmente sucumbem ao não serem abraçados pelas tais corporações negativantes.

Faz alguns anos escrevi em um texto para outro site apontando que isto “se trata de cultura alternativa porque não veio à tona para a maioria dos indivíduos que ‘consomem’ música e comportamento, porque é de conhecimento de milhares, mas talvez não de milhões de pessoas”. Esta cultura alternativa não pode ser vista como uma opção dos excluídos, pois não é a realidade. Tem que ser encarada, principalmente por quem a constrói, como uma possibilidade de nova referência cultural, independente e em estado de negação em relação à outra. Não é pequena nem secundária (visão dos que almejam a outra como patamar) é um dos motores desenferrujados da cultura e mantém a possibilidade de mobilização positivante e da evolução dos entendimentos humanos. A maneira e o caminho para chegar até este ponto é trabalho para outros longos parágrafos.


Alguém se habilita?

8 comentários:

  1. Belo texto Edu.
    Hoje em dia, com a tendência do mercado em se concentrar em nichos, cada vez mais ele tende a buscar alternativas criativas no "udigrudi" ou resgatar os "excluidos" numa linguagem pejorativa... aliás o uso da palavra é o uso do poder...

    Quanto à pasteurização, lembro-me do fenômeno GRUNGE. Lembra-se do Hollywood Rock? Eu me lembro de matérias que mostravam tipo, o que é o grunge? Como se veste o grunge?
    È a transformação de qualquer corrente em produto. A mídia adora este tipo de fenômeno, parece que rotular é um meio de poder controlar, né?

    abraço!

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  2. Acho que o alternativo já é um dos motores da cultura, uma vez que está aí e tem gente se alimentando disso, seja essa "gente" o mercado ou alguns interessados... tenho estudado moda, arte e cultura academicamente (o que muitas vezes pode ser um porre para quem me ouve citando outros teóricos), mas é interessante ver que mesmo nesse universo acadêmico, o pessoal tem analisado de maneira "aberta" os limiares entre o que é establishment e contra-cultura... muitos inclusive sequer acreditam que ainda possa exitir uma contra-cultura, já que não existe uma cultura dominante (Canevacci é um deles)... vejam o que achei em uma publicação inglesa de 1987, de Elizabeth Wilson, que toma essa questão no âmbito da moda e do estilo de oposição:

    "Nesta democracia da riqueza, na qual toda gente é livre de ser desigual e na qual toda sociedade oscila entre dois pólos, da ostentação pública e do eu pessoal, abre-se um espaço entre a ordem rígida da política e da ausência de leis do ego... evidentemente, numa tal sociedade todas as idéias novas são alimento para o lucro. Os desvios estilísticos e as inovações de estilo não são exceções a esta regra..."
    (espero ter sido clara)

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  3. O termo "excluído" já perdeu a pose faz tempo.
    Veja o caso do "Grito dos Excluídos!" por exemplo... excluídos de onde? por quem?
    Nas culturas ditas alternativas, criam-se nichos e mais nichos, vários rótulo e em cada um desses segmentos, sempre vão existir aqueles que lutam por um lugar ao sol apenas para subir à um patamar mais "elevado" (a grande mídia)e sonham em passar de excluído para exclusor, e sempre vão existir aqueles que gostam de fato das cenas alternativas e que se esforçam para mantê-la viva, nesse segundo caso, nem precisava dizer, não se enquadra o termo excluído, pois sabemos que estamos muito bem inseridos dentro daquilo que realmente gostamos.. o resto é apenas rótulo, discuros e poses...

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  4. nossa!!! a discussão pode ser bem ampla!!
    quase um outro post aqui nos comentários!!! Mas, vamos lá!
    O que eu acho é que se por um lado a cultura alternativa serviu e serve de referência para se formar uma cultura comercial (o Grão citou o Grunge, mas o EMO tb é um bom exemplo, afinal, na década de 80 o Dag Nasty já fazia hardcore de temática pessoal, em 90 o udigrudi já proliferava o termo, mas só em 2000 as revistas gringas começaram a fazer matérias do tipo "como ser emo"), por outro lado, a própria cultura alternativa vem perdendo o seu referêncial. O pós Grunge, a internet fez o mundo ficar viciado em novidade, em frescor e em produção independente. Através da rede começamos a ser bombardeados com milhões, talvez bilhões de novos projetos artísticos independentes, seja lá qual vertente da arte lhe interessa. No fim, perdemos nosso parâmetro. Hoje tudo é descartável e a velocidade que o novo indie, se torna o novo mainstream e posteriormente é descartado (porque já pintou algo mais hype) ficou imensamente maior, quase incontrolável. É praticamente impossível assimilar tanta informação.
    O que nos faz questionar a qualidade dessas novidades que seja a midia comercial ou alternativa anda nos apresentando.

    Ainda sobre esse lance de exclusão, alternatividade e comercialismo!

    Rolou a tal invasão/protesto na galeria Choque Cultural.
    Dia 06/09/08, um grupo de 30 pixadores invadiu a Galeria Choque Cultural em protesto à comercialização, institucionalização e Domesticação da Cultura de Rua , por parte dos galeristas e do Poder Público.

    Pense bem nisso!

    Será que um Gêmeos ou principalmente, um Zezão tem o mesmo valor cultural quando está numa tela na sua sala, mesmo que você tenha pago US$2.000,00, do que quando intervem em um bueiro, uma parede ou dentro de uma galeria de esgoto em São Paulo ou Nova York?


    No final, até os excluídos excluem! No final somos todos exclusores!

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  5. Pois é Idéia, com você disse, isso gera uma discussão boa, e põe e debate uma verdade que certamente tem vários lados.
    Você citou o caso da invasão/protesto na Choque Cultural. Eu nem sabia que tinha rolado isso.
    Mas o que dizer a respeito? Quem está errado afinal de contas?
    O pessoal reclama que é mal visto e que é discriminado por fazer arte nos muros da cidade, aí surge um espaço onde bons artistas podem mostrar seu trabalho e se consagrar e de certa forma até mesmo ganhar a vida com isso... será que eles estão errados?
    E esse que foram protestar, será que se oferecessem um espaço lá dentro da Choque Cultural para eles, eles continuariam achando errado haver um espaço específico para vender seus trabalhos????
    Eu já passei por um problema semelhante, quando ainda fazia zines panfletários e de repente surgiu um apoio da Prefeitura de Santo André para meu trabalho.
    Entrei justamente nessa questão, eu sempre reclamava por não ter espaço, por não ter grana para xerocar, sempre reclamava do governo (em todas as suas esferas) que nunca incentivava as produções culturais... e agora o que eu faria???
    Aproveitei a oportunidade e consegui fazer umas três edições do meu zine, patrocinados pela prefeitura, cada edi~~ao teve 2.500 cópias.... uau, uma superprodução para um zine panfletário...
    Teve muita gente "da cena" que me escreveu, me xingando de vendido e tudo o mais... mas acontece que meu zine nunca perdeu o foco e nem mesmo com o tal aopoio o discurso abrandou...
    É o mesmo esquema sempre, quem não quer ser oprimido quer se tornar opressor, mesmo que seja oprimindo pessoas que sempre batalharam e que já enfrentaram as mesmas dificuldades que os "novatos" estão enfrentando hoje.
    É mais fácil chamar o João Gordo de traidor do que aceitar que o cara simplesmente conseguiu ganhar a vida com aquilo que todos os outros "traídos" gostariam...

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  6. endossando o discurso do Zerbinato, e talvez mudando um pouco o foco...
    Penso que o grande problema de sair do alternativo são os patrocínios.
    Se o Zerbinato conseguiu ser bancado e manter seu discurso, ótimo, diria até perfeito.
    Acontece que muitas vezes você perde a liberdade de expressão em função dos patrocinadores, aí sim é complicado...
    È como a mensagem que vi outro dia atrás de um caminhão "diga-me com quem anuncias, que direi o que escreves"
    Quanto à invasão da Choque, bem... só vou lançar uma pergunta:
    contestação ou auto-promoção?
    É bom saber a respeito de quem promoveu a parada para ter uma opinião mais apurada.
    Abraço!

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  7. Citei a invasão/protesto não pelo ato idiota dos caras. E tb acho Grão, que pode sim ter sido um lance de mkt da Choque (embora os caras tb zuaram a Bienal - stickers no segundo andar que deveria ser completamente VAZIO - alguns dias depois e cá entre nós, a Bienal não precisa desse mkt), mas enfim, citei a ivasão pelo que os caras dizem, ou seja: "protesto à comercialização, institucionalização e Domesticação da Cultura de Rua , por parte dos galeristas e do Poder Público"
    E nisso, me parece que eles estão com a razão, e quando questiono o valor de uma obra, é dessa dosmesticação que eu estou falando.
    Ou vcs acham o Zezão ou os Gêmeos excluídos??? Mas, uma vez em galerias cools, se tornam exclusores, e por sua vez, foram excluídos pelos excluídos nesse protesto.
    Por isso conclui que no fim todos somos exclusores e todos somos excluídos.
    Mas o foco alí é a falta de parãmetro e isso, é meio que inegável!

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  8. Então Idéia, quanto à invasão da Choque o lance é que a parada tinha como lider um fita formado em faculdade de artes e tal. Você me entendeu mal, a parada não é de auto-promoção da galeria, mas de de auto-promoção desse cara, sacou?

    Engraçado seu comentário, porque outro dia estavam falando que iam repintar um grafite que foi apagado pela subprefeitura da Sé. O subprefeito desculpou-se dizendo que os funcionários não eram curadores e não sabiam que os trampos eram de grafiteiros famosos.
    Aí é que tá mano, é como você disse... Quais têm valor? São aquelas cujos artistas tiveram quadros com valor monetário em galerias? E outra, não é característica intrínseca do grafite o efêmero?

    Nossa, essa conversa vai longe! rsrs

    abraço!

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