sábado, 18 de outubro de 2008

TANCREDO NEVES, PUNK ROCK E UM JORNALZINHO QUASE SUBVERSIVO.



Por Edu Zambetti


Um usava camisetas sobrepostas com tons desbotados, button do Dead Kennedys, calça devidamente apertada e tênis Forward cano alto. O outro, pesando uns 40 kg, parecia uma miniatura do Joey Ramone acrescido de óculos fundo de garrafa e aparelho ortodôntico. Sem dúvida alguma, eram dois nerdunks (nerd com punk) e estavam decidindo, em plena aula de química, qual deveria ser o nome do jornalzinho subversivo que começariam a produzir. Seria o primeiro fanzine da história daquele colégio.

1985 era o ano, 1º B era a sala, Grong Bong (G.B.) foi o nome escolhido naquele início de abril, semanas antes da morte de Tancredo Neves. O conteúdo girava em torno de acontecimentos do colégio, punk rock, new wave, heavy metal, leve pornografia e quadrinhos. Desenho por desenho, letra por letra, tudo canalizado através das pontas das lapiseiras 0.7 sobre folhas de rascunho, com arte final totalmente em pena e nanquim.O processo criativo era, sempre que possível, “aditivado” com sabe-se lá qual substância numa espécie de brainstorm contínuo.

No G.B. número 69 (na verdade seria a primeira edição, mas veio com o 69 na capa. Piadinha típica de garotos com 15 anos de idade) surgiu o Kid Nikotina e é aí que está o foco deste relato: o personagem, no estilo “Psychobilly Sujão”, ao longo da história ia se transformando em um tétrico esqueleto enquanto fumava um cigarro atrás do outro. Sob seu comando, nenhuma empreitada dava certo. “Tem king size?”, era seu bordão. Paralelamente, cada vez que seus amigos (punks, skins, lésbicas) usavam outras substâncias mais pesadas, passavam por aventuras estonteantemente psicodélicas. Sempre olhavam para o Kid e diziam: “Nossa cara! Você está emagrecendo! Precisa dumas ‘Vitaminas’”.
Acontece que a história acabou parando na mão da Maria Helena (toda assistente de direção tem o mesmo nome, concordam?) e logo estavam os dois punks (na visão dela), ou melhor, nerds (na visão dos colegas de classe), encurralados na escadaria próxima à sala dos professores...
...Antes de continuar, vou logo adiantando que houve suborno e repressão.

Ela chegou calma, mas com um olhar mais sério do que peçonhento, tecendo um discurso que, por mais que tentassem, os dois zineiros de primeira viagem não conseguiam identificar se estavam recebendo elogios ou críticas. Com um ritmo de blues e ousando despejar algumas gírias no meio da conversa, a dona Maria Helena forçou a barra:

- Garotos... Super legal este trabalho de vocês! Os professores já me disseram que virou mania na escola. Os seus pais sabem que vocês são tão criativos assim?

Tentaram responder, mas foram atropelados pela fala constante.

- Este Kid é uma lição para os nossos alunos (disse isto chacoalhando uma cópia do fanzine com fervor). Por coincidência a direção da escola junto com a APM está lançando uma campanha interna contra o tabagismo, sabe como é meninos... Aqui no período da manhã não é muito, mas os marmanjos da noite acham que podem fumar em qualquer dependência sem a menor cerimônia.

Os dois ainda não estavam entendendo... E o blá blá blá em ritmo de blues continuava.

- A direção falou comigo e eu mesma falei com a APM e chegamos à conclusão que vocês podem nos ajudar muito se fizerem uns cartazes usando o seu personagem nesta campanha. Olha só: Vocês terão a oportunidade de espalhar seus desenhos pela escola toda, sem restrição. Fiquem tranqüilos porque a APM vai fornecer todo o material que os dois precisarem para a criação dos cartazes. Ah! Mas usem só este que fuma e vai virando caveirinha... Não usem os outros personagens punks porque foge completamente do intuito da campanha e, com certeza, seus pais não vão gostar de ver os filhos fazendo apologia às drogas. Não é mesmo? Vocês podem substituí-los por uns garotos loirinhos e bem comportados. Tudo bem pra vocês?

O mini Joey Ramone e o outro nerdunk bem que tentaram explicar que não, não e não. Não fariam de forma alguma, pois a idéia era produzir aquele fanzine de qualquer maneira. Arriscaram a desculpa de não terem tempo livre para isto, afinal, um fazia aula de inglês e o outro de natação, sem contar que nos finais de semana cada um ensaiava com sua banda.

Depois disto, o Blues em ritmo de fala da assistente ganhou um pouco de overdrive e o solo se evidenciou...

- Prestem bastante atenção! Andei olhando suas notas e percebi que, se continuarem como estão, terão problemas no final do ano. Estou pensando em chamar seus pais aqui para tratarmos do assunto e, aproveitando, mostraria para eles este jornalzinho... Nossa! Como tem palavrão aqui! Seria triste ver garotos tão criativos repetindo o primeiro ano. Se vocês fizerem estes cartazes, sem dúvida alguma o conselho será muito compreensivo na hora de analisarem as médias finais e, neste caso, nem precisaremos chamar seus pais agora. Mas não comentem com ninguém. Se quiserem, posso falar com a professora de artes para orientá-los neste trabalho.O que acham?

Sentiram ferver a alma punk que costumavam descarregar todo final de semana nos toques desafinados de suas guitarras (os vizinhos que o digam), perceberam a repressão resistindo ainda em meados dos anos 80... Lembraram das aulas de filosofia e até de Geraldo Vandré... Elaboraram o melhor discurso revolucionário que poderiam conseguir naquela fração de segundos... Olharam e se entreolharam... Apertaram, com as mãos úmidas, aquelas folhas xerocadas... Maria Helena acabara de virar sinônimo de demônio capitalista... Cuspir na sua cara seria uma boa? Rir e vomitar “Anarchy In The UK” seria a solução? Os dois sentiram o impulso contestador borbulhando o sangue de suas veias...

- Então meninos... Quando vocês entregam os cartazes?

- No final da semana que vem, Dona Maria Helena.

- Jura? Sem falta?

- Sem falta... Dona Maria Helena.

- Mas os dois são uns anjinhos mesmo!!! Depois quero conversar com vocês sobre o Dia do Índio.


(obs: Eu não era o mini Ramone)

9 comentários:

  1. Parabéns cara...
    Me fez lembrar dos tempos de ginásio...
    Nerdunk é ótimo!
    E sabe que eu trabalhei com uma assistente de direção chamada Maria Helena no ano passado???

    Começou bem a bagaça!

    abraço notívago

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  2. Eu trabalhei com uma assistente de direção chamada Maria Helena....como disse...todas tem o mesmo nome!!!

    VAleu Grão...só faltam um ajustes na diagramação...

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  3. diagramação ajustada, creio eu...

    certo?

    congratulations, bro!

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  4. É!!!
    Mas sem parágrafos!!!
    Pra ficar mais "blogsphere"!

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  5. E agora sim, depois de ajudar o amigo Zambeti, pude ler com calma, e broda, GENIAL!!!

    E só pra constar, adivinha como chamava a assistente da escola onde eu fiz o primário (caraca, é ensino básico agora!!!)???

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  6. Amigos Zínicos....Muito agradecido!!!
    Agora tudo entrou nos eixos!!!

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  7. É sim! Maria Helena ... tbm conheço. Estou esperando uma dessas, desde junho ela não aparece, para uma conversa "amigável" ... Ah!!! no último dia 15 uma dessas apareceu parabenizando um pessoal do circo pelo seu dia...
    Parabéns!
    Bjinhos
    Pri

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  8. Muito bom o texto, ótimo começo!!!!

    Fico aqui imaginando a cara dos "nerdunks" com a onipresente Maria Helena!!!!

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  9. VAleu Zínicos...Fico muio feliz de estar aqui!

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