Por Marcelo Viegas
Prólogo
Coincidências existem. O que não existe é o destino. Acreditar que as coisas estão pré-determinadas é discurso de vagabundo: equivale a “largar mão”, afinal que diferença faz? Se há o destino, nada do que fazemos mudará o que está escrito. É cuspir em tudo que construímos até hoje, a tal da história da humanidade. As coisas são como são, é o que dizem. Óbvio, mas são como são porque nos mexemos para que assim seja e porque para algum lugar elas deveriam ir. O contrário é que seria assustador. Na pequenez do nosso dia-a-dia, nos pequenos atos que parecem desconectados da grandeza desse mundo, acrescentamos nossa sagrada contribuição para que as coisas continuem indo para algum lugar. Mesmo que nós não tenhamos a menor idéia pra onde seja.
Rumo a Lanzarote
Tenho o costume de ler antes de dormir. Bom, eu e outros milhões de pessoas no planeta, mas isso não vem ao caso. O que vem ao caso é que, em alguma noite de 2008 (e se minha memória não me engana deve ter sido em algum momento do primeiro semestre), peguei o Cadernos de Lanzarote, de José Saramago, e mergulhei naquela meia hora de leitura pré-sono. A leitura transcorria agradável, e lembro que pensei na importância do escritor português. Fixei-me na idéia de que ele é talvez o último gênio vivo da literatura. E que lê-lo em vida, portanto, é um privilégio. Recordei Jorge Amado, Paulo Freire, José Chasin, Darcy Ribeiro, Jacob Gorender e tantos outros, hoje finados, mas que tive o prazer de ler enquanto respiravam o mesmo ar que eu. Não digo que fossem gênios como Saramago, mas isso não tirava a satisfação de compartilhar de suas idéias com eles por aí, ainda a tê-las.
Naquele momento de divagação e com essas abobrinhas na telha, tive um insight: “Nesse exato momento em que estou lendo seu livro, o que será que passa pela cabeça de José Saramago?” Não obtive resposta. E decidi continuar a leitura.
Transcrevo exatamente o parágrafo seguinte com o qual me deparei:
“Ray-Güde informa-me de que recebeu da Polônia resenhas acerca do Evangelho e que este se encontra na lista de obras de maior venda. Lamenta não ser capaz de me traduzir as opiniões da imprensa polaca, mas vai adiantando que o escritor Andrczej Sczcipiorski, o mais importante dos autores polacos publicados pela mesma editora, gostou muito do livro... Ouvindo isto, ponho-me a imaginar o que mais gostaria de fazer nesta altura da vida (sem ter de perder nada do que tenho, claro está), e simplesmente descubro que seria perfeito poder reunir em um só lugar, sem diferença de países, de raças, de credos e de línguas, todos quantos me lêem, e passar o resto dos meus dias a conversar com eles”
Travei na hora. Uma sensação de plena felicidade chegou como uma onda, e deixei que ela me arrastasse. Fui pra bem longe do meu quarto, viajei pras Ilhas Canárias, mais exatamente pra mais oriental das ilhas desse arquipélago: Lanzarote. Parei na casa de muro branco - que possui curiosamente o nome de A Casa -, abri a porta, brinquei com os cães e dei a mão ao mestre Saramago.
O parágrafo acima é – claro está, como ele mesmo gosta de dizer – fruto da minha imaginação, mas todo o resto é verdadeiro. Esse humilde ateu aqui, e o ateu famoso autor do Memorial do Convento, juntos numa coincidência que muitos não perderiam a chance de classificar como “a prova irrefutável de que o destino existe”. Penso diferente: foi apenas uma grande e deliciosa coincidência. E tenho certeza que o Saramago diria o mesmo.
Epílogo
Acabei de chegar em casa. Estive com Saramago. Não, não fui a Lanzarote. Saramago é que veio até nós, para o lançamento mundial do seu novo livro, A Viagem do Elefante. Debilitado pela doença, mas lúcido, absolutamente lúcido. Feliz por estar vivo. Aproveitando cada momento, cada instante. E querendo mais. “Tempo”, disse ele. “Vida”. Desnecessário dizer que esse é o voto generalizado: que ele tenha muito tempo e vida pela frente, para continuar escrevendo e, dessa forma, dando mais sentido ao nosso tempo e a nossa vida. Essa é a coincidência que encerra. No dia do meu post, “coincidentemente” sobre o Saramago, tive a honra de encontrá-lo. Um brinde ao mestre! Um brinde ao imponderável!
Coincidências existem. O que não existe é o destino. Acreditar que as coisas estão pré-determinadas é discurso de vagabundo: equivale a “largar mão”, afinal que diferença faz? Se há o destino, nada do que fazemos mudará o que está escrito. É cuspir em tudo que construímos até hoje, a tal da história da humanidade. As coisas são como são, é o que dizem. Óbvio, mas são como são porque nos mexemos para que assim seja e porque para algum lugar elas deveriam ir. O contrário é que seria assustador. Na pequenez do nosso dia-a-dia, nos pequenos atos que parecem desconectados da grandeza desse mundo, acrescentamos nossa sagrada contribuição para que as coisas continuem indo para algum lugar. Mesmo que nós não tenhamos a menor idéia pra onde seja.
Rumo a Lanzarote
Tenho o costume de ler antes de dormir. Bom, eu e outros milhões de pessoas no planeta, mas isso não vem ao caso. O que vem ao caso é que, em alguma noite de 2008 (e se minha memória não me engana deve ter sido em algum momento do primeiro semestre), peguei o Cadernos de Lanzarote, de José Saramago, e mergulhei naquela meia hora de leitura pré-sono. A leitura transcorria agradável, e lembro que pensei na importância do escritor português. Fixei-me na idéia de que ele é talvez o último gênio vivo da literatura. E que lê-lo em vida, portanto, é um privilégio. Recordei Jorge Amado, Paulo Freire, José Chasin, Darcy Ribeiro, Jacob Gorender e tantos outros, hoje finados, mas que tive o prazer de ler enquanto respiravam o mesmo ar que eu. Não digo que fossem gênios como Saramago, mas isso não tirava a satisfação de compartilhar de suas idéias com eles por aí, ainda a tê-las.
Naquele momento de divagação e com essas abobrinhas na telha, tive um insight: “Nesse exato momento em que estou lendo seu livro, o que será que passa pela cabeça de José Saramago?” Não obtive resposta. E decidi continuar a leitura.
Transcrevo exatamente o parágrafo seguinte com o qual me deparei:
“Ray-Güde informa-me de que recebeu da Polônia resenhas acerca do Evangelho e que este se encontra na lista de obras de maior venda. Lamenta não ser capaz de me traduzir as opiniões da imprensa polaca, mas vai adiantando que o escritor Andrczej Sczcipiorski, o mais importante dos autores polacos publicados pela mesma editora, gostou muito do livro... Ouvindo isto, ponho-me a imaginar o que mais gostaria de fazer nesta altura da vida (sem ter de perder nada do que tenho, claro está), e simplesmente descubro que seria perfeito poder reunir em um só lugar, sem diferença de países, de raças, de credos e de línguas, todos quantos me lêem, e passar o resto dos meus dias a conversar com eles”
Travei na hora. Uma sensação de plena felicidade chegou como uma onda, e deixei que ela me arrastasse. Fui pra bem longe do meu quarto, viajei pras Ilhas Canárias, mais exatamente pra mais oriental das ilhas desse arquipélago: Lanzarote. Parei na casa de muro branco - que possui curiosamente o nome de A Casa -, abri a porta, brinquei com os cães e dei a mão ao mestre Saramago.
O parágrafo acima é – claro está, como ele mesmo gosta de dizer – fruto da minha imaginação, mas todo o resto é verdadeiro. Esse humilde ateu aqui, e o ateu famoso autor do Memorial do Convento, juntos numa coincidência que muitos não perderiam a chance de classificar como “a prova irrefutável de que o destino existe”. Penso diferente: foi apenas uma grande e deliciosa coincidência. E tenho certeza que o Saramago diria o mesmo.
Epílogo
Acabei de chegar em casa. Estive com Saramago. Não, não fui a Lanzarote. Saramago é que veio até nós, para o lançamento mundial do seu novo livro, A Viagem do Elefante. Debilitado pela doença, mas lúcido, absolutamente lúcido. Feliz por estar vivo. Aproveitando cada momento, cada instante. E querendo mais. “Tempo”, disse ele. “Vida”. Desnecessário dizer que esse é o voto generalizado: que ele tenha muito tempo e vida pela frente, para continuar escrevendo e, dessa forma, dando mais sentido ao nosso tempo e a nossa vida. Essa é a coincidência que encerra. No dia do meu post, “coincidentemente” sobre o Saramago, tive a honra de encontrá-lo. Um brinde ao mestre! Um brinde ao imponderável!
Nem coincidência, nem destino. Nesse caso "privilégio"! Tanto na sintonia como em vê-lo hoje! Deve ter sido embaçado esse momento! O Grão já tinha falado que vcs tinham ido!
ResponderExcluirPô, sensacional tudo isso!!! A sintonia, o encontro e claro o texto!
Cheers!
Tenho que contar aqui (pelo fato de também ser uma coincidência) o caminho que me levou até oe evento de ontém.
ResponderExcluirO Viegas tinha me falado do lançamento de um livro, que tinha que retirar ingressos antes... Mas até aí, foi mais uma daquelas informações que se misturam a outras e acabam sendo soterradas.
E estava eu em um dia saindo do SESC ( onde tinha ido nadar ) e por acaso, ou coincidência, ou afinidade... Encontro o Viegas chegando ao SESC... entendam. Eu nado de vez em quando no SESC Vila Mariana... O Viegas nunca tinha ido a esse SESC (eu acho)...
-E aí, tá indo aonde?
-Porra mano, vou buscar o ingresso do Saramago!
Voltei o carro para o estacionamento, e subi na fila dos ingressos que esgotaram em poucos minutos.
Contra certas coisas não se pode discutir, só nos resta aceitar. Às vezes tem um propósito que náo conseguimos entender nos nossos crânios de símios. OK?
Coincidência ou não.
Idéia, foi um privilégio mesmo, sem dúvida. Só de vê-lo já foi embaçado. Enfim, conversaremos muito sobre isso pessoalmente, em breve.
ResponderExcluirE Grão: eu nem quis citar essa outra coincidência do SESC pois sabia que vc mencionaria o caso.
Pensando agora, falamos tanto em coincidência e deixamos de lado sua palavra-irmã, que tão bem exemplifica muito do que aconteceu: CAGADA DA PORRA.
no país dos ingressos caros e espetáculos quase nunca dignos de seu preço, ver "Saramago" e embaixo "R$ 0,00" parece erro de impressão.
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirSempre que visualizo o inevitável, ou melhor: a predestinação das coisas, o passado mistura-se com o futuro.
ResponderExcluirTavez seja pela imutabilidade do já ocorrido (salvo 1984) é que penso em um futuro idem; indefectivelmente ao meu aguardo.
E se escrevo para não esquecer, ao reler anotações de anos passados, o que tenho diante de meus olhos é tão estranho que parece ter sido escrito por outras mãos (o que não deixa de ser verdade). Resulta disso, que se o esquecimento é inevitável, melhor seria, talvez, não gastar tinta.
ps: que Saramago e outros escritores não me ouçam! hoho
Noah Marques
ResponderExcluiro mais pertinente comentário aqui foi o do Prieto.
ResponderExcluirRadiohead R$ 200,00
Saramago R$ 0,00
Pior é que o Radiohead vai ter milhares de pessoas que nem nunca ouviram falar em Saramago.
Depois eu digo que a humanidade me deprime e as pessoas me chamam de melancólico!
ai, ai...
Acaba de me ocorrer uma coisa:
ResponderExcluirJá que no seu texto vc defende sua posição de ateu e pró "coincidência" (embora bêbado vc até manda uns "graças a deus!" - hehehe - a coerência é muito chata e medíocre e eu te entendo!), enquanto por outro lado o Eterno (e esse nick vem bem a calhar aqui no meu coment) defende um ser maior e mais poderoso que o Seu Silvo e, portanto, pró "destino", a gente podia promover um debate a lá "Sabedoria dos Modernos" (Luc Ferry e André Comte Sponville).
Eu que entendo de religião, logo de ateísmo, poderia mediar, junto com o Grão e o Zambetti, mas sem a responsabilidade de uma conclusão.
Topam?
hehehe!
Luz!
Puxa Viegas, bom saber que curte Saramago, o meu autor favorito e a pessoa que mais me deu respostas sobre a humanidade e até sobre mim.
ResponderExcluirFoi com "Ensaio sobre a cegueira" que comecei a perceber que o problema não estava exatamente em mim. Sim, me encontrei.
A partir daí passei a devorar mais de 15 obras do autor (claro, com seus intervalos necessários).
Estive com Saramago em 2003, no lançamento de "Saramago: um amor possível" de Juan Arias, na Livraria Cultura. Não consegui pegar autógrafo, mas estive distante dele uns 3 metros. Respirar o mesmo ar que essa pessoa realmente é algo mágico. Estranho. Mas real.
O curioso que após esse encontro passei a ler seus livros imaginando aquela voz portuguesa sussurar as histórias em meus ouvidos. É estranho também. Real? Talvez. Mas está ali.
Não, Saramago não é ateu. Ele diz que não se considera como tal, pois se você toma essa palavra (ateu) para si, de alguma forma está dizendo que existe sim um deus. O que, pra ele, definitivamente não existe. Me autointitulo pseudoateu. Justamente por ter crescido em um ambiente católico e não ter me livrado do hábito de dizer "ai, meu deus" e de pedir a bênção aos tios.
Coincidentemente também estive na fila para pegar ingresso. Mas no Sesc Pinheiros. Não consegui. Mas não fiquei chateado. O ar que inalei em 2003, está aqui, dentro de meus pulmões.
Isso mais pareceu uma declaração de amor ao Saramago. Pode até ser. Posso até ir ao Radiohead. Mas só vou se for de graça.
Abraços e sejam felizes!
Marcio, eu concordo com você sobre o ateísmo. Só usei o termo (no meu caso e no do Saramago) pois é mais fácil e curto que qualquer outro que existe nesse campo. Escrever "eu, que não acredito na existência divina", quebraria o ritmo do texto, saca?
ResponderExcluirSou marxista graças a deus!
Tamo junto.
Viegas.
para saber minha opinião mais detalhada sobre esse assunto, leia:
http://www.fotolog.com/o_livro/470988
Idea,
ResponderExcluiresse será um ótimo tema para um futuro debate zinista.
O Dú é gnóstico, não vale! hehehe
abs
Primeiro texto que li da semana "coincidência ou não!"... A intenção é ler todos na sequência. E não sei o que expressar direito Viegas. Quando terminei a leitura conclui o seguinte: CARALHO!!! Eu tenho a seguinte ótica atual no Zinismo: O que me afasta de vocês é a vida trancosa que levo, qual também pode ser traduzida nesse caso como o "tempo". Em contrapartida quando venho aqui sempre sinto passar por um processo de espécie de upgrade. Gostei do seu texto, Viegas. O motivo não sei dizer. Talvez o sentido dele. Eu não sei o que sinto em relação ao Zinismo, se posso dividir com você o orgulho, mas, vejo como algo indispensável hoje em dia. E espero que eu possa refletir isso em breve.
ResponderExcluirGraças e Louvores à nós;
Boqaa/Qaabo/Eduardo
Ah li tudo e dei um gás no grupo. Um brinde aos dias que acordamos hiperativos!!!
ResponderExcluirTô ligado no esquema do termo "ateu"... Pois mesmo não me considerando 100%, às vezes tenho que falar que sou para dar um parâmetro aos "normais". Coisas que só os pseudoateus sabem o que é! ahahaah!
ResponderExcluirTamo junto e misturado!
Putabração!
Boqaa,
ResponderExcluirtodos sofremos com a ausência do Tempo. O que necessitamos é fazer pequenos sacrificios, aumentar a disciplina, enfim, atalhos pra otimizar o pouco tempo que temos pras nossas coisas.
Como diria o falecido Brucutu: "a necessidade faz o sapo pular".
abrá!
Pseudoateus foi ótimo.
ResponderExcluirabraço, Marcio!
ps. você já leu os Cadernos de Lanzarote?
É engraçado: discussões que envolvem dogmas sempre dão ibope.
ResponderExcluirNão que meu texto envolva, ele só esbarra no assunto, de leve, mas o suficiente pra despertar opiniões.
HAHAHAHA...MAs este Viegas não perde o bordão...desde os tempos da Fundação ein...este seu...
ResponderExcluir"O Edu é Gnóstico" deveria ter desaparecido com o tempo...rsrsrrsrs
Aliás...Viegas...vc chegou a prestar atenção naquele post sobre religião que fiz?
http://zinismo.blogspot.com/2008/11/controle-da-mente_2406.html
Aguarde o próximo...
SAbe..."não sou Marxista*" e tbem não sou Gnóstico...
(*sampleando o próprio MARX)
Nós e nossas indefinições teológicas.
ResponderExcluirmais um motivo pro debate!
ResponderExcluirDEBATE!!!
DEBATE!!!
DEBATE!!!
Edu,
ResponderExcluireu sou falo pra te encher o saco.
is we.
Li sim, os dois.
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirViegas...eu sei que o bordão é para tirar uma onda e, na verdade, acho engraçado pois é sempre na mosca o comentário...Pode ficar com a piada sem risco de perder o amigo...ueuueueue
ResponderExcluirAliás...gostei muito da sua postagem aqui!