segunda-feira, 3 de novembro de 2008

VELOCIDADE


Por Edu Zambetti

1984.Velocidade era a busca daqueles jovens da classe média paulista. Nada mais poderia descrevê-los de melhor forma.
Imagine gastar todos os finais de semana do ano apostando e correndo, correndo e apostando, apostando e correndo...Às vezes rolava namoro volátil com uma ou outra groupie das pistas, mas sempre depois de apostarem e correrem.

Às vezes iam para o litoral ou para o interior...
...Mas sempre depois...

Antes que você me pergunte, os veículos eram risíveis Fuscas, rebaixados e envenenados com as fórmulas mais absurdas do “achismo” mecânico brasileiro.
Se fossem observados por uma câmera secreta bem posicionada no alto daquela construção abandonada (hospital público fantasma, vergonha da cidade), normalmente seriam sete carros comandados por garotos com cabelos, roupas e atitudes que pareciam ter saído da capa de um disco do “Stray Cats” ou pior, do “Talking Heads”.

Algumas daquelas máquinas tinham pinturas quadriculadas iguais ao dos tênis náuticos de seus pilotos, outras carregavam adesivos com um bicho verde e peludo fazendo sinal com as mãos deixando o dedo polegar e o mínimo em evidência (coisa de surfistas), inclusive, abreviações de nomes de oceanos eram quase regra entre os adesivos, dois ou três tinham pinturas com fluorescência e, sem qualquer exceção, todos tinham toca fitas Tojo ou Road Star.

As garotas estavam lá, juntamente com os curiosos. Nos seus lindos pezinhos, sandálias de plástico; no corpo, camisetas com pop art e cores fortes, mini saias com enormes etiquetas e cabelos estranhamente cortados...Estranhos inclusive para o gosto delas próprias.

Com meus 14 anos mal contados, estava eu entre os curiosos e usando um All Star gringo no pé com o devido sofrimento de quem tem um número menor agredindo o dedão...Fazer o que? Esperei um mês pelo tênis...Um cara dos predinhos perto de casa trazia da Argentina...Eu mal sabia que naquele ano lançariam este modelo de tênis no Brasil e toda a graça atrelada à dificuldade de adquiri-lo, acabaria. Mal sabia também que não ligaria para estas coisas hoje...

1984...Enquanto uns corriam, outros ensaiavam a luta pelas diretas...Outros ensaiavam com suas bandas de new wave... 1984...Ainda existia ditadura...Mas realmente...Isto não importa agora.

Todos da minha turma estavam rindo dos nomes que eu criara para cada um dos carros, e olha que sempre foram os mesmos naquele ano.
Figueredo Bowie (numa mistura do nosso presidente com o camaleão) era o nome de batismo para o Fuscão verde e amarelo fluorescente do Karu, o cara mais chato do colégio. Gui Kamikaze era o do Japa (cá entre nós, dirigia mal pra caramba, mas muitas vezes ganhava o racha por causa de tanta cagada que fazia na pista esburacada). Fuscão Preto era uma máquina branca, dos pneus ao estofamento e o dono...AH! Era o Albino, um negão loiro que não tirava aquela surrada camiseta onde se lia Sex Pistols bem em cima de uma foto do The Police...Sério!Era uma heresia! Sex Pistols nas letras e The Police na foto. Só não sei se o pior era ter o The Police sendo chamado de Sex Pistols ou o contrário. De qualquer forma, eu preferia The Police, sem dúvida alguma.

Aliás,era o que eu tentava escutar no meu Walkman naquele momento...A fita erroscava, mas tocava...
Quebrava um galho...digamos.

Desta vez o racha seria apenas com estes três, porém, ao mesmo tempo, seria rápido, pois disseram que a polícia iria até o local por volta da meia noite.

Cansei de brigar com a fita e resolvi entrar no hospital abandonado para assitir a desgraça lá de cima. Fui andando meio pensativo, cantarolando “Too Much Pressure” e alternando com “Sonífera Ilha”, calmamente, com um ar falsamente melancólico...

...Percebi (e um dia, para amigos íntimos, acabei deixando no ar que este era o plano) que estava sendo seguido por duas garotas bem no pique daquelas descritas faz alguns parágrafos. As duas aceleraram o passo e me acalçaram, iriam ver a corrida lá de cima também, mas na verdade estavam entediadas com tudo isto, estavam cansadas de serem trocadas por máquinas, muitas vezes, comparadas com elas, além do que, lá seria mais seguro caso a polícia baixasse, como disse o amigo escrivão do pai do Japa.

Fingi achar estranho o fato desta revelação ter vindo em poucos segundos de conversa, mas não seria nada mal ter como companhia aquelas duas doidas varridas, afinal, os seus, digamos, namorados, eram o Albino e o insuportável Karu. Com eles por perto eu nunca teria tal oportunidade, mas como estavam ocupados com suas maquinas...

(continua...)

7 comentários:

  1. Sinto que essa história vai esquentar... ou acelerar!

    No aguardo da continuação.

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  2. Cara, estou ansioso pelo final.

    Aquele bicho verde que você falou foi tipo uma assombração, presença constante na minha infância, veja:

    http://www.fotolog.com/flaviograo/1872016

    abraço!

    Grão

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  3. mas o melhor é a definição "tênis náuticos" para os Rainhas Iates!

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  4. Calma...calma....A história já esta escrita...Chegará a hora...eheheh

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